“O que está em jogo na igualdade do casamento não é apenas uma questão de saber se o casamento acontece na igreja ou no tribunal. É uma questão de igual dignidade fundamental de gays e lésbicas católicos na Igreja. Esperamos que Francisco possa entender isso, especialmente à luz desse primeiro passo promissor”, escreve Lisa Fullam, professora de teologia moral na Escola Jesuíta de Teologia da Santa Clara University, California, em artigo publicado por New Ways Ministry, 22-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis o artigo.
A recente declaração de apoio do papa Francisco às uniões civis para casais gays e lésbicos são boas e más notícias.
Boas notícias primeiro:
- é importante reconhecer o valor positivo de qualquer apoio declarado pelo Papa, especialmente em um contexto de hostil rigidez da doutrina oficial.
- Por exemplo, os comentários de Francisco estão em claro contraste com os do então cardeal Ratzinger, que em 2003, do posto da Congregação para a Doutrina da Fé, escreveu em: “Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais”:
- “11. A Igreja ensina que o respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais.
- O bem comum exige que as leis reconheçam, favoreçam e protejam a união matrimonial como base da família, célula primária da sociedade.
- Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou equipará-las ao matrimônio significaria
- não só aprovar um comportamento errado, com a consequência de convertê-lo num modelo para a sociedade atual,
- mas também ofuscar valores fundamentais que fazem parte do patrimônio comum da humanidade.
- A Igreja não pode abdicar de defender tais valores, para o bem dos homens e de toda a sociedade”.
Um temor era que o reconhecimento da união civil para casais do mesmo sexo pudesse levar as pessoas a pensar que o casamento também poderia ser aceitável.
Aqui, o Papa Emérito trata as uniões legais como distintas do casamento legal:
“5. Nas situações em que as uniões homossexuais foram legalmente reconhecidas ou receberam o status legal e os direitos pertencentes ao casamento, a oposição clara e enfática é um dever”.
- A oposição de Francisco ao pronunciamento anterior de Bento XVI
- é uma mudança bem-vinda em relação à tendência geral de Francisco de se curvar aos precedentes papais,
- como ele faz, por exemplo, com relação à ordenação de mulheres como sacerdotes.
Além disso, a declaração do Papa de incentivo às uniões civis legais
- pode muito bem ter um grande impacto em partes do mundo
- onde as relações entre pessoas do mesmo sexo são criminalizadas.
Em nações predominantemente católicas, onde a homofobia é a lei,
- esta declaração pode minar a legislação anti-gay
- e talvez até levar à sua revogação. Isso seria um grande bem.
Quais são as más notícias?
Primeiro,
- o comentário papal, embora bem-vindo, não é a mesma coisa que o ensino papal em um documento oficial de autoridade superior.
- Não é suficiente para Francisco comentar de uma forma que seja inconsistente com o ensino oficial anterior;
- para que o ensino oficial mude, deve ser feito em um documento oficial de ensino.
Uma entrevista papal tem muito pouco peso doutrinário.
Em segundo lugar,
- temo que essa possa ser uma forma de o magistério evitar a questão real do apoio às relações entre pessoas do mesmo sexo, relegando-a à esfera civil.
- Embora as uniões civis possam ser vistas como um meio-termo para o casamento civil (embora algumas pessoas LGBT discordem),
- a Igreja não tem uma categoria para uniões civis, ou casamento civil, para esse assunto.
- Ao relegar os casamentos católicos do mesmo sexo para a esfera civil,
- a liderança da Igreja está oferecendo a eles apenas um lugar fora da vida sacramental da Igreja.
Como Andrew Sullivan comentou sobre as uniões civis decretadas para evitar a igualdade do casamento civil:
“ ‘Separados, mas iguais’ era uma política fracassada e perniciosa com relação à raça; será uma política fracassada e perniciosa em relação à orientação sexual”.
O que está em jogo na igualdade do casamento não é apenas uma questão de saber se o casamento acontece na igreja ou no tribunal. É uma questão de igual dignidade fundamental de gays e lésbicas católicos na Igreja. Esperamos que Francisco possa entender isso, especialmente à luz desse primeiro passo promissor.
Lisa Fullam
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/603990-o-apoio-do-papa-francisco-as-unioes-civis-boas-e-mas-noticias
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