Bárbara Reis – Público • Sexta-feira, 26 de Junho de 2020 . Foto: Daqui
O Padre ex-anglicano Robin Farrow, de óculos, é casado e tem quatro filho. Sendo aceito na Igreja católica, pôde continuar continuar casado e exercer o ministério. Se ele e outros que vieram da Igreja Anglicana no tempo de Bento XVI, e se tornaram católicos, podem continuar casados, por que os padres católicos não podem casar? A discussão está aberta na Igreja católica em Portugal, com o novo Presidente da Conferência Episcopal -CEP-, Dom José Ornelas
O bispo José Ornelas (Foto:Daqui) foi eleito presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e dois dias depois deu uma entrevista ao PÚBLICO. Já para o fim, deixou cair uma bomba:
“Não veria mal a possibilidade de termos padrescasados. Não vejo mal nisso.”
Não me lembro de ver um padre português com poder político real falar desta forma desassombrada sobre este tema.
- A hipótese de a Igreja Católica de rito latino passar a ter padres casados — como acontece na Igreja Católica de rito oriental e noutras religiões — é controversa.
- No mínimo, exalta os ânimos.
- Com facilidade, põe os católicos conservadores de cabelos em pé.
O bispo Ornelas sabe isso e — diz-me quem o conhece bem —, não se impressiona com a guerra entre católicos conservadores e católicos progressistas. Não ser cardeal, mas apenas bispo, pode desinibi-lo e dar-lhe maior liberdade. O peso do chapéu de cardeal é grande.
- Ornelas está alinhado com Francisco
- e, como o Papa, pertence a uma ordem missionária.
Teve um cargo de governo — entre 2003 e 2015, Ornelas foi chefe mundial (Superior Geral – NdR) dos dehonianos, uma congregação católica dinâmica — o que lhe deu tarimba
- a gerir sensibilidades,
- ouvir padres conservadores e padres progressistas,
- fazer pontes.
Dizem que é informal e afável, directo e franco. Tudo isto vai revelar-se na forma como vai fazer o seu novo lugar. Fazendo jus ao perfil,
- horas após a eleição, Ornelas
- abriu a porta ao debate sobre os padres casados e tomou partido — “não veria mal”.
Pensei:
- é uma declaração inédita de alguém no topo da hierarquia, que a anuncia mal chega ao lugar,
- vamos assistir a um debate e ouvir os que “veriam mal”, os que “veriam bem”
- e a força dos argumentos — vai ser um Verão em cheio.
Pensei também
- ir à Igreja dos Mártires, no Chiado, ou à de Marvila, duas das igrejas lisboetas
que os fiéis conservadores mais gostam. - É ali que o Papa Francisco é visto como perigoso progressista.
- Também fui ver se a Rádio Renascença e a Ecclesia, a agência de notícias que é propriedade do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, órgão da Conferência Episcopal Portuguesa, tinham notícias sobre a novidade do “não veria mal”. Nada. Nem uma.
Fui aos sites dos conservadores clássicos, como a Comunhão e Libertação — o mesmo. Como ler o silêncio que caiu sobre a bomba “não veria mal”?
Fui falar com padres e pessoas que estudam e investigam a Igreja Católica portuguesa.
O silêncio é desprezo, mas também é medo, ouvi.
Os católicos conservadores
- sabem que a escolha de Ornelas não é uma eleição inocente e que é uma mudança radical.
- Sabem que Ornelas foi eleito para abrir uma ruptura, porque obriga a uma clarificacação. Sabem que é novo, tem tempo e genica.
- Sabem que catolicismo sem celibato pode até continuar a chamar-se catolicismo, mas será outra coisa — e não querem isso.
Também ouvi que
- os sectores conservadores vão fazer de conta que não viram as declarações do
novo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. - Se lhes perguntarem, dirão que é uma questão resolvida, porque no sínodo do ano passado abriu-se o debate sobre os padres casados na Amazónia, mas no fim não houve luz verde.
Todos sabem que o Papa Francisco não abriu a porta, mas não a fechou. E ouvi que
- admitir padres casados não é contra a doutrina,
- porque não é uma ideia essencial da Igreja Católica.
“Há coisas da disciplina e há coisas da essência. Proibir padres casados não é da essência, porque nem sempre foi assim”, disse um padre.
Há uns meses, Anselmo Borges, padre-filósofo-académico, explicou no Diário de Notícias: Jesus foi celibatário, mas não impôs o celibato e teve discípulos casados, como São Pedro.
Na Primeira Carta aos Coríntios, 9,5, São Paulo pergunta:
“Não temos o direito de levar connosco, nas viagens, uma mulher cristã, como os restantes Apóstolos?”
E na Primeira Carta a Timóteo diz:
“É necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, ponderado, de bons costumes.”
Borges explica também que
- foi só no Concílio de Trento, no século XVI,
- que se impôs o celibato dos padres à Igreja do Ocidente.
O que mais pedem as alas progressistas?
- Que se abra a conversa na igreja. Sobre este tema
- e outros ainda mais difíceis, como o das mulheres padres.
Estarem todos calados não vai fazer o tema morrer.
Bárbara Reis
Fonte: https://www.publico.pt/2020/06/26/sociedade/opiniao/calado -padres-casados-1921960
Leave a Reply