
Nas minhas comunidades, eu tento construir, mesmo em tempos de coronavírus, uma fé que parta da Palavra, que busque a Eucaristia como celebração do povo, de comunidade reunida, e não como gesto privado do padre, uma fé que desemboque em gestos de amor e, sobretudo, que fale ao homem e à mulher do terceiro milênio, com gestos e significados que possam ser compreendidos hoje, e não na Idade Média.
A opinião é do padre italiano Giuseppe Magnolini, da Diocese de Bréscia, em artigo publicado em Ospitalità Eucaristica, n. 17, de abril de 2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Sou pároco em quatro pequenas comunidades na Diocese de Bréscia, precisamente em Alta Valle Camonica. As minhas comunidades unidas somam cerca de 2.200 habitantes, e, por enquanto, o vírus ainda não entrou de modo violento na nossa vida: aqui, ao contrário de outras regiões da nossa província, temos poucos casos, quase todos em recuperação.
Obviamente, também entre nós,
- há quase um mês, já entraram em vigor as várias normas para poder conter a epidemia,
- e, com razão, elas também dizem respeito às celebrações religiosas e de culto.
- Todas as celebrações foram suspensas, incluindo as dos casamentos e dos funerais, assim como todos os tipos de reuniões ou encontros.
Assim, encontramo-nos em um deserto litúrgico, na minha opinião muito importante, precisamente em um tempo como o da Quaresma, que, para nós, católicos, sempre foi vivido e visto como o tempo litúrgico mais forte e mais exigente.
Pessoalmente,
- acho que esta é uma oportunidade propícia e, diria, providencial
- para reler a nossa espiritualidade católica muito impregnada de ritualismo e de devocionalismo,
- para nos perguntar que cristãos queremos ser e, sobretudo, sobre o que queremos construir a nossa fé.
Nestes dias, por meio das mídias sociais, eu tentei
- enviar todos os dias uma reflexão sobre a Palavra de Deus,
- ir ao encontro das pessoas solitárias com um telefonema
- e depois convidar os meus fiéis a voltarem a ler a Palavra em casa como lâmpada para os nossos passos incertos e cansativos deste período.
Alguns me ressaltaram o seu sofrimento por não poderem participar da celebração dominical ou mesmo durante a semana, outros entenderam que sermos discípulos de Jesus não é apenas viver ritos, mas sim viver isso na nossa experiência cotidiana.
“Sem presbítero não, mas sem povo sim?” – Foto: Daqui
Pessoalmente, considero proveitoso este tempo que foi esvaziado de tantas coisas: penso apenas em todas as celebrações da Semana Santa, nos vários ritos quaresmais: fizemos um pouco de jejum necessário, que nos levou, se quisermos, a compartilhar também a marginalização da Ceia do Senhor.
Infelizmente, na Igreja de Roma, ainda são muitos aqueles que, por regras humanas e certamente não divinas, não podem se aproximar do banquete; por um jogo da vida, passamos para o outro lado da barricada.
Isso é uma escola de vida, e poderia ser uma escola de cristianismo. Nós, presbíteros, fomos convidados pelos bispos a celebrar igualmente, sozinhos, a portas fechadas e a viver momentos pessoais de devoções várias: pessoalmente,
- adaptei-me ao convite dos bispos no que se refere à celebração dominical, que também tornei visível através da web,
- mas me permito dizer que isso me pareceu um pouco absurdo, porque não se tratou apenas da oração.
Sempre dissemos que
- a celebração eucarística tem valor porque há o povo de Deus que dela participa, que faz a Igreja,
- que não faz sentido celebrar sozinho,
- e depois o que me é proposto é isso…
Uma visão muito tridentina do presbiterado e também da Ceia do Senhor, em que o que importa é o padre. Eu me perguntei:
- “Mas se sou padre para uma comunidade e não para mim mesmo,
- se a comunidade não pode estar lá, como neste caso, não há eucaristia,
- adotam-se outras formas, mas não se celebra sozinho…! Qual é o sentido?”.
Fiquei muito confortado ao ler um artigo publicado na revista Il Regno da teóloga Simona Segoloni, com o título, muito significativo: “Sem presbítero não, mas sem povo sim?”, no qual ela também defende
- que, por trás de tudo isso, há uma visão muito tridentina
- e que, ao término desta emergência, teremos que falar sobre isso,
- mas (este é o meu pensamento) eu acho que não haverá nenhuma reavaliação, infelizmente…
Eu também não me senti em consciência
- na necessidade de adotar outras formas devocionais propostas,
- como por exemplo sair pelas ruas com crucifixos ou relicários para invocar a graça da cessação da pandemia,
- com todo o respeito por quem crê nisso.
Eu não acredito, pelo contrário,
- me parece que estamos alimentando uma fé infantil demais
- e que não estamos ajudando os nossos fiéis a se tornarem adultos,
- não estamos dando-lhes um alimento sólido,
- mas esse é um pecado dos pastores, começando por quem está na cúpula.
Eu absolutamente não quero criar polêmica, mas é aquilo em que creio e é o que eu experimentei neste tempo. Para mim, esta foi uma oportunidade para começar de novo, para mostrar o que é realmente o essencial da nossa fé em Jesus, e eu tenho medo de que, como Igreja em Roma, tenhamos perdido uma oportunidade importante.
- Não culpo quem precisa de sinais ou de devoções,
- mas me permitam dizer que isso, porém, está a anos-luz da mensagem de Jesus.
Portanto, nas minhas comunidades,
- eu tento construir, mesmo em tempos de coronavírus,
- uma fé que parta da Palavra,
- que busque a Eucaristia como celebração do povo, de comunidade reunida, e não como gesto privado do padre,
- uma fé que desemboque em gestos de amor e, sobretudo, que fale ao homem e à mulher do terceiro milênio, com gestos e significados
- que possam ser compreendidos hoje, e não na Idade Média.
Pe. Guiseppe Magnolini
Fonte:
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