Entrevista com o Cardeal Czerny
Luis Miguel Modino – Foto: Foro Social Panamazônico
Michael Czerny (à esquerda), Cláudio Hummes (centro) e David Martínez de Aguirre | Foto: Luis Miguel Modino
Em suas palavras, o cardeal insiste que “os primeiros protagonistas são os mesmos povos indígenas e outras populações da Amazônia”, que “disseram que a Igreja deve os acompanhar”, algo que foi assumido pelos bispos presentes na assembleia sinodal. Isso demanda em todos, em sua opinião, “começar a caminhar juntos para resolver os problemas”. Embora a exortação não proponha soluções concretas, “todos os atores precisam se coordenar para obter as soluções”, inclusive quem está fora da Amazônia.
Eis a entrevista.
O senhor disse na apresentação da exortação que apenas o que é amado pode ser salvo e transformado. Nesse contexto, o que significa que o Papa Francisco fale da Amazônia como algo querido?
Penso que nesta caminhada o Papa Francisco
- aprendeu a amar a Amazônia
- e apreciou a profundidade e a extensão dos problemas e das possíveis soluções,
- e percebe que, sem amor, não alcançaremos soluções que realmente respondam a esses problemas.
Em outras palavras, o Documento Final
- é organizado em termos de conversões
- e, na minha opinião, nos dirigir uma carta de amor, na minha visão, é uma maneira muito agradável de nos dizer para nos convertermos.
Temos que mudar profundamente se queremos salvar esta parte importante da casa comum.
O Papa Francisco mostrou seu interesse na Amazônia desde o início de seu pontificado. De fato, em seu discurso aos bispos brasileiros por ocasião do encontro com eles na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, em julho de 2017, apareceu a Amazônia como elemento importante. Até que ponto podemos dizer que a Amazônia é algo que marcou o pontificado da Papa Francisco?
A história realmente começa em Aparecida,
- que é um momento importante para a Igreja da América Latina
- e depois para o cardeal Bergoglio.
Acho que ele começou a percebê-lo como um bispo que não era da Amazônia.
- Gradualmente, graças ao testemunho de seus irmãos bispos e outros membros da Igreja,
- ele certamente aprofundou sua própria apreciação,
- a ponto de hoje dirigir uma carta de amor, que me parece uma resposta, um gesto extraordinário
e isso chama a atenção de todos novamente.
Michael Czerny | Foto: Luis Miguel Modino
O senhor apontou que o Papa Francisco fala de sonhos em vez de conversões, que foi o que marcou o Documento Final. Poderíamos relacioná-lo não apenas à tradição bíblica, mas também à importância dos sonhos nas visões de mundo dos povos amazônicos originários, que os veem como algo que determina a vida concreta?
Isso teria que ser perguntado a eles, não posso dizer que eco esta imagem do sonho terá. Reconhecendo o significado dos sonhos em nossa tradição espiritual e nas Escrituras, isso já me emocionou quando o padre Adelson explicou isso hoje na conferência de imprensa.
Isso é algo muito proveitoso, muito promissor como uma ideia, mas o que ainda gosto mais
- é que esses sonhos não são gerais, mas são concretos e práticos,
- você precisa pegá-los em suas mãos e se render para realizar esses sonhos.
- Eles não são algo que fica nas nuvens.
Hoje vimos reações diferentes à exortação, inclusive na apresentação. Por que é importante entender que, acima das questões que suscitaram mais polêmica, o Sínodo é um processo e que a exortação, embora seja algo importante e fundamental, é mais um elemento desse processo? Qual a importância dos documentos anteriores, do documento preparatório, do Instrumentum Laboris e do documento final?
Todos reconhecemos a enorme influência da participação dos povos amazônicos.
- Dizer que 87.000 pessoas usaram a palavra e disseram o que queriam dizer,
- isso me parece extraordinário.
E, graças ao processo, podemos testemunhar que essas vozes adquiriram força ao longo do processo do Sínodo e graças à “Querida Amazônia“.
- Temos dois documentos da Igreja
- que têm fortes ecos de vozes indígenas e outras populações na Amazônia.
- Isso é extraordinário, único na vida e na história da Igreja e muito promissor para o futuro.
Porque existem muitos outros povos que querem elevar a voz, o que vivem, o que sofrem, o que querem, o que sonham, com a Igreja, e isso parece muito promissor.
No número 111 da exortação, o Papa Francisco fala em avançar em caminhos concretos que permitem transformar a realidade da Amazônia e libertá-la dos males que a afligem. Quem devem ser os principais atores desses avanços?
Foi dito claramente, e em momentos diferentes, que os primeiros protagonistas são os mesmos povos indígenas e as outras populações da Amazônia.
Com um pouco de reflexão, é preciso reconhecer que é inimaginável ter soluções verdadeiras se forem impostas de fora.
Essa ideia de que eles estão lá,
- tem uma voz decisiva na percepção dos problemas e no desenvolvimento de soluções,
- me parece uma verdade básica.
Pode-se dizer que é um dos direitos humanos fundamentais e, graças a Deus, estamos descobrindo essa ideia essencial.
Então, como os próprios povos indígenas disseram durante esse caminho sinodal, disseram que a Igreja tem que acompanhá-los. Eles tem dito:
- não nos abandonem, acompanhem-nos
- e, como Igreja, os bispos disseram: sim, queremos acompanhá-los.
Isso também parece absolutamente fundamental para mim, é uma espécie de aliança no sentido bíblico da palavra que me deixa encantado, que me incentiva muito. Com isso, espero que
- as propostas concretas do Documento Final,
- e as propostas, os sonhos do Papa, da exortação,
- incentivem todos aqueles que participam da Igreja,
- dos ministros, da vida religiosa, dos leigos, dos amigos e de outras pessoa,
para começar a caminhar juntos para resolver os problemas.
Quando ele diz, em nome da comunidade científica, que
- nós, cientistas, realmente queremos que os quatro sonhos do Papa Francisco se tornem realidade,
- isso me parece um elemento claro do diálogo entre a Igreja e a ciência
- em favor do desenvolvimento sustentável, respeitoso e participativo da região amazônica.

Michael Czerny | Foto: Luis Miguel Modino
Como essa exortação e todo o processo sinodal podem marcar o futuro da Amazônia e do planeta, e da vida da Igreja na Amazônia e no mundo?
Penso que
- a resposta está em toda a exortação
- e nas propostas específicas no Documento Final.
A grande coisa sobre a exortação apostólica é que
- ela não está tentada a dizer que a solução é aquilo, aquilo ou aquilo, três coisas, cinco coisas ou dez coisas.
- A solução é toda a gama de possibilidades,
- e que agora a Igreja na Amazônia, e todos os atores, precisam se coordenar para obter as soluções.
E nós, fora da , Amazônia temos que ser impregnados por esse mesmo amor. Se não amarmos, não reconheceremos a justiça e a importância de responder com a coragem necessária.
Portanto, os sonhos nos chamam, como diz o Documento Final, a conversões. E a conversão
- não é apenas mudar isso ou aquilo,
- é uma mudança de coração, mudança de alma, mudança de mente,
- mudança de sentimentos e mudança de vida.
Esse é um menu bastante desenvolvido.
O que isso significou para o senhor, o que aprendeu ao participar desse processo do Sínodo para a Amazônia?
A primeira palavra que vem à mente é acreditar. Foi um tempo de crescimento em minha fé. A todo momento, pensava que os desafios eram enormes e não conseguia imaginar soluções.
- Quando seguimos a receita do caminho sinodal,
- de escutar um ao outro, de nos colocar na presença do Espírito Santo,
- aconteceu que encontramos caminhos possíveis.
Isso para mim foi uma descoberta e um fortalecimento de minha fé e minha esperança. Fiquei muito feliz nas semanas do Sínodo
- pela forma como vivíamos esse diálogo,
- que não é que todos tenham que dizer a mesma coisa,
- mas que todos falem abertamente,
- escutando, tentando aprender e descobrindo que, no final, mudamos de ideia.
Isso é um sinal da obra do Espírito Santo.
Luis Miguel Modino
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