A dinâmica religiosa deriva da experiência de contingência radical e da esperança num sentido final.
Oque é a religião? O que deve entender-se por pessoa religiosa? Onde se fundamenta a religião? Qual é o dinamismo que está na base das religiões? Porque há religião/religiões?
Toda a religião tem que ver com a ética e também com a estética. Hegel viu bem quando afirmou que a arte, a religião e a filosofia estão referidas ao Absoluto.
A pergunta é, como escreveu o filósofo J. Gómez Caffarena, se a ética, a estética e a filosofia acabarão por absorver a religião, como já insinuava Goethe: “Quem tem arte (e moral e filosofia) tem religião; quem a não tem, que tenha religião.”
Segundo Lucrécio, “o medo criou os deuses”.
Desde então, isso
- tem sido repetido,
- acrescentando a ignorância e a impotência,
- de tal modo que, com o avanço da ciência e da técnica, a religião acabaria por ser superada e desaparecer.
Será, porém, verdade que na génese da religião estão o medo, a ignorância e a impotência?
Ninguém poderá negá-lo. A questão é saber se esses são os únicos e decisivos factores e de que modo actuam.
De facto,
- não é a limitação enquanto tal que está na base da religião,
- mas a consciência da limitação.
Na consciência da finitude, que tem a sua máxima expressão na consciência da mortalidade, o homem transcende o limite e articula um mundo simbólico de esperança de sentido último e salvação.
- Como disse Hegel, a verdade do finito encontra-se no Infinito,
- e Kant viu bem ao referir a religião à esperança de um sentido final.
Segundo ele, o interesse da filosofia pode reduzir-se às seguintes perguntas:
“O que posso saber? O que devo fazer? O que me é permitido esperar? O que é o Homem?
- À primeira pergunta responde a metafísica,
- à segunda a moral, à terceira a religião
- e à quarta a antropologia.”
Assim, é possível que a ciência e a técnica obscureçam a força do apelo religioso. Mas, permanecendo a finitude e a sua consciência, há-de erguer-se sempre a pergunta pelo Fundamento e Sentido últimos.
Como disse Emil Cioran,
“tudo se pode sufocar no Homem, salvo a necessidade do Absoluto, que sobreviverá à destruição dos templos e mesmo ao desaparecimento da religião”.
Na mesma linha, afirma Louis Rougier:
“A Igreja pode declinar. O sentimento religioso grávido de um impulso para o ideal, de uma sede do Absoluto, de uma necessidade de superar-se, que os teólogos chamam Transcendência, subsistirá.”
- O que, do ponto de vista biológico, une a Humanidade é a interfecundidade.
- Do ponto de vista espiritual, o que a une é a pergunta radical pela totalidade e o seu sentido.
O Homem é o animal que pergunta pelo seu ser e pelo ser. A razão humana não cria a partir do nada. Na base do ser humano há uma “passividade originária”, como repetia o meu saudoso mestre Miguel Baptista Pereira:
- quando damos por nós, já lá estamos, ninguém foi consultado nem decidiu vir a este mundo e ser quem é;
- depois, um dia, a morte chega e leva-nos.
A razão humana
- constrói, portanto, a partir do dado
- e, feito todo o seu percurso,
- sabe que acende a sua luz na noite do Mistério.
Se pergunta, é porque ela própria é perguntada pela realidade, que é ambígua.
Precisamente na sua ambiguidade, provocando, por isso, espanto positivo e negativo, a realidade e a existência convocam para a pergunta radical: o que é o Ser?, o que é o Homem?
Quando, no processo evolutivo,
- se deu a passagem do animal ao homem,
- apareceu no mundo uma forma de vida inquieta
- que leva consigo constitutivamente a pergunta pelo Sentido de todos os sentidos,
- portanto, a pergunta pelo Sentido último.
A dinâmica religiosa deriva da experiência de contingência radical e da esperança num sentido final. A mesma experiência tem um duplo pólo:
- a radical problematicidade do mundo e da existência
- e a referência em esperança a uma resposta de sentido último, plenitude, felicidade, orientação, identidade, salvação.
Este domínio da busca de sentido aparece de modo tão central na vida humana que
- a História da Humanidade não se compreende sem a história da consciência religiosa
- , não sendo de esperar o fim da religião e das religiões.
Neste contexto, não é ousado afirmar que todo o ser humano é religioso, na medida em que é confrontado com a pergunta pela Ultimidade.
Só poderíamos falar de irreligiosidade, no caso de alguém se contentar com a imediatidade empírica, recusando todo e qualquer movimento de transcendimento, o que não é possível, pois isso é contraditório.
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia em Coimbra
Fonte: https://www.dn.pt/edicao-do-dia/12-jan-2020/a-pessoa-e-a-dinamica-religiosa-1–11694024.html
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