DIOGO SCHELP
03/01/2020
Manifestante segura foto do general Qassem Soleimani nesta sexta-feira (3), em Teerã. (Foto: WANA/Nazanin Tabatabaee via Reuters)
Nada de III Guerra Mundial. Uma possível guerra entre Estados Unidos e Irã pode adotar muitas formas, inclusive uma variação agravada do conflito atual, de escaladas eventuais de violência, mas dificilmente tomaria a proporção de uma guerra global, como ocorreu em 1939.
O temor de uma guerra entre Estados Unidos e o Irã ganhou força com a execução do general Qassim Suleimani, chefe da Força Quds do Irã, nesta quinta-feira (2), em um bombardeio americano ao aeroporto de Bagdá, no Iraque.
Os Estados Unidos acusavam Suleimani de estar por trás das “manifestações” violentas contra a embaixada americana em Bagdá. Os Estados Unidos estão certos de não tolerar ações como essas contra suas representações diplomáticas. É preciso lembrar
- da crise dos reféns na embaixada americana em Teerã, entre 1979 e 1981,
- e o assassinato do embaixador dos Estados Unidos na Líbia, J. Christopher Stevens,
- durante ataque ao consulado do país na cidade de Bengazi, em 2012.
A eliminação de Suleimani ocorre depois de uma série de fatos que elevaram as tensões entre Irã e Estados Unidos. Nos últimos meses, o Irã foi acusado
- de estar por trás dos ataques que danificaram dois navios petroleiros no Estreito de Ormuz
- e de bombardear duas instalações de petróleo na Arábia Saudita.
O aiatolá Ali Khamenei prometeu vingar a morte de Suleimani. O país tem meios para isso, alguns dos quais estão descritos abaixo, dentro do que se pode considerar um cenário moderadamente pessimista — e o mais provável — para a escalada do conflito, em que ele se alastraria por todo o Oriente Médio.
O cenário otimista, em que o conflito se restringiria a pequenos episódios de retaliações contra alvos militares e embarcações comerciais no Golfo Pérsico, tem baixa probabilidade de acontecer pela natureza explosiva da região.
- Se há alguma chance de algo dar muito errado na geopolítica do Oriente Médio,
- pode apostar que é o que vai ocorrer.
O cenário mais pessimista, e menos provável,
- seria o envolvimento direto de outras potências, como a China e a Rússia, do lado iraniano no conflito —
- o que poderia ganhar contornos de uma III Guerra Mundial.
O cenário moderadamente pessimista, portanto, teria as seguintes consequências:
* O Irã inicia uma campanha de ataques e sabotagens no Golfo Pérsico com o objetivo de obstruir a estreita passagem para o Oceano Índico por onde é transportado um quinto da produção de petróleo do mundo. Isso faz o preço dos combustíveis fósseis disparar, desestabilizando a economia mundial e provocando recessão tanto em nações industrializadas quanto em países em desenvolvimento, como o Brasil;
* O Irã regionaliza o conflito, abrindo frentes de batalha contra aliados dos Estados Unidos em todo o Oriente Médio. O grupo xiita libanês Hezbollah começa a lançar foguetes contra Israel, usando como base tanto o território do Líbano como o da Síria (ambos os países fazem fronteira com Israel). Apoiadas militarmente e financeiramente pelo Irã, as milícias hutis do Iêmen, país que vive uma guerra civil desde 2015, intensificam os ataques com mísseis e drones contra alvos da Arábia Saudita, como aeroportos e estações petrolíferas. No Iraque, as milícias xiitas, que possuem forte influência do Irã e têm grande experiência em combates, os mais recentes deles na expulsão do grupo terrorista sunita Estado Islâmico, iniciam uma campanha de ataques e sabotagem contra alvos americanos (os Estados Unidos ainda têm 5.200 militares no Iraque) — como de fato já vem ocorrendo e é um dos motivos para a decisão dos Estados Unidos de eliminar Suleimani;
* Israel reage ao Hezbollah não apenas bombardeando o Líbano e a Síria, mas também alvos estratégicos no Irã— o governo de Benjamin Netanyahu está há tempos em busca de uma justificativa para destruir a infraestrutura nuclear iraniana, para acabar com as chances de o país construir uma bomba atômica. O Irã revidaria lançando mísseis de médio alcance contra as cidades israelenses;
* A Arábia Saudita reage aos ataques hutis e ao fechamento do Estreito de Ormuz enviando tropas e sua Força Aérea para auxiliar os Estados Unidos em uma invasão primeiro por ar, depois por terra, do Irã. É a guerra mais letal do século até agora: se a Guerra do Iraque, país com 38 milhões de habitantes, matou 460.000 pessoas, pode-se estimar que a do Irã, com uma população de 82 milhões e um contingente militar que é o dobro do iraquiano, tem potencial para alcançar a marca de 1 milhão de vidas perdidas;
* Conforme o conflito vai ganhando contornos étnicos e religiosos, ao confirmar um confronto há muito anunciado entre a Arábia Saudita (árabe e sunita) e o Irã (persa e xiita), atentados terroristas começam a pipocar pela região e além dela, ora provocando vítimas civis entre os sunitas, ora entre os xiitas;
* Mesmo sem envolvimento militar direto, a Rússia e a China veem o conflito como uma ameaça aos seus interesses na região e decidem colocar-se em uma posição contrária aos Estados Unidos, dando apoio político, econômico e militar (por meio da venda de armas) ao aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo do Irã;
* Uma nova onda de refugiados de guerra bate às portas da Europa, que desta vez não consegue contê-la por meios minimamente humanos. A Turquia, que aproveita o conflito regional para esmagar a minoria curda dentro e fora de suas fronteiras, suspende seu acordo com os europeus para usar seu território como uma barreira para os emigrantes, que em números cada vez maiores são barrados na Grécia e nos Balcãs. Grandes campos de refugiados são construídos nesses lugares. O espaço Schengen, a área de livre circulação de pessoas na Europa, é suspenso;
* Ao fim da guerra, Rússia e China são os maiores beneficiados, em detrimento da Europa, inundada por refugiados, e dos Estados Unidos, que, mesmo vitoriosos, saem enfraquecidos por anos de uma guerra custosa, tanto financeiramente (para se ter uma ideia, a Guerra do Iraque custou 2 trilhões de dólares)
- quanto internamente (na campanha eleitoral, Trump havia prometido encerrar os envolvimentos militares do país no Oriente Médio)
- como externamente (os Estados Unidos passam a ser vistos pela comunidade global como um país que não consegue conter as pressões para colocar em uso seu poderio militar).
- A guerra no Irã, portanto, acelera o declínio americano e dá impulso às ambições da China de se tornar a próxima superpotência mundial.
O cenário acima descrito, repito, é o moderadamente pessimista. Mesmo que o conflito não ganhe proporções globais, como temem alguns, o mundo todo teria muito a perder no caso de uma guerra entre os dois países.
(Parte desse artigo é uma reprodução de uma análise publicada por este blog em junho de 2019).

DIOGO SCHELP
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