Nádia Pontes -29/10/2019 – Foto: Encontro de governadores ocorreu após documento final do Sínodo ressaltar importância dos direitos indígenas / Daqui
Em uma tentativa de se distanciar das posições do governo Bolsonaro, mandatários de estados da Amazônia brasileira se reuniram no Vaticano com cientistas e religiosos para discutir formas de preservar a floresta.
Em contraste com as posições do governo de Jair Bolsonaro, governadores de estados que fazem parte Amazônia brasileira se reuniram nesta segunda-feira (28/10) no Vaticano com religiosos e cientistas para debater formas de preservar a floresta e combater o desmatamento. O encontro ocorre um dia após o fim do Sínodo da Amazônia.
A reportagem é de Nádia Pontes, publicada por Deutsche Welle, 28-10-2019.
A reunião foi proposta pelo Consórcio de Governadores da Amazônia Brasileira, da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (SDSN-A). Representantes de outros países da América Latina também participaram. A tentativa, segundo os participantes, foi mostrar no cenário internacional que os governos locais querem se aproximar de quem está disposto a dar dinheiro para manter a floresta em pé.
“Queremos reafirmar o compromisso com o desenvolvimento sustentável, que diminua a emissão de CO2 e desmatamento, com respeito aos povos tradicionais”, disse o presidente do SDSN-A e governador do Amapá, Waldez Góes (PDT).
Além de Góes, participaram do encontro no Vaticano os governadores do Amazonas, Wilson Lima (PSC); Pará, Helder Barbalho (MDB); e do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), também participou, apesar de seu estado não fazer tecnicamente parte da Amazônia Legal. Já os governadores de Mato Grosso, Acre, Tocantins, Rondônia e Roraima não compareceram.
No encontro, os governadores reconheceram que
- a imagem que tentam reforçar contrasta com o posicionamento de Bolsonaro em questões ambientais.
- Desde que assumiu, o presidente tem defendido a exploração econômica da Amazônia e a liberação da mineração em terras indígenas.
- Bolsonaro também vem sendo acusado de incentivar, com o enfraquecimento da fiscalização, o aumento de ocupações ilegais e desmatamento.
“Os governos estaduais, de forma legítima, estão discutindo soluções para seus territórios”,
disse o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). Sobre o governo federal, Barbalho afirmou que não está “preocupado em discutir ideologia”.
“Estamos procurando parceria da Igreja após a sinalização do papa e conclamando todos que queiram colaborar com a Amazônia, sem que isso signifique questionamento em torno da soberania nacional”,
disse à DW Brasil.
Para conservar a floresta, o grupo está em busca de dinheiro no exterior. Nos últimos meses, novos repasses do Fundo Amazônia, criado em 2008 para financiar projetos com foco na redução do desmatamento e que conta com recursos da Noruega e Alemanha, foram suspensos.
“Defendemos o retorno imediato do Fundo”, afirma Flávio Dino. “Queremos participar da implementação desses projetos que estão associados a metas, não queremos dinheiro distribuído graciosamente”.
Reação do governo Bolsonaro
O encontro dos governadores ocorre um dia após a divulgação do documento final do Sínodo do Vaticano, que ressalta a importância dos direitos indígenas e demarcação de terras.
Presente no Vaticano, um representante de Jair Bolsonaro negou que houvesse uma crise ambiental na Amazônia – um das premissas que baseou toda a discussão convocada pelo papa Francisco.
“Não se justifica falar em crise ambiental no Brasil“,
disse Fábio Mendes Marzano, secretário de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania do Ministério das Relações Exteriores, ao pequeno público reunido na Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano, posicionando-se contra a avaliação feita no Sínodo.
Antes de o embaixador brasileiro assumir o microfone, Cláudio Hummes, cardeal e relator-geral do Sínodo, havia ressaltado o diagnóstico ambiental feito no documento.
O cardeal, por outro lado, não estava na sala quando Marzano criticou o ponto específico do documento.
Segundo o secretário do Itamaraty,
- além da inexistência de uma crise,
- a pobreza da região amazônica – também abordada no texto da Igreja Católica –
- teria sido “imposta no passado por certa ideologia falaciosa“ conservacionista,
- que teria proibido atividade econômica na Amazônia e condenado a região.
O governador do Maranhão, Flávio Dino, rebateu Marzano.
“É um negacionismo essa ideia de que não há crise ambiental no Brasil“, afirmou à DW Brasil. Para o governador, a crise é perceptível em pelo menos dois fatos recentes: o aumento de desmatamento e queimadas na Amazônia e a poluição por petróleo nas praias do Nordeste. “Há retrocessos visíveis (na política ambiental) e na base de tudo está esse negacionismo”, analisou Dino.
Enquanto isso, na Floresta Amazônica, o desmatamento demonstra tendência de aumento.
“Isso é esperado dado o discurso do governo contra meio ambiente e a redução da fiscalização”,
disse Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que mantém um sistema de monitoramento.
O sistema de alertas Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indica uma disparada no número de alertas entre outubro de 2018 e outubro de 2019, com o Pará liderando. O relatório anual de desmatamento na Amazônia, Prodes, deve ser divulgado no próximo mês.
Para enfrentar esse problema, os cientistas presentes no debate sugerem que
- os governadores precisam considerar alternativas de desenvolvimento que não tenham foco
- apenas em indústrias como minério e agricultura insustentável de larga escala.
“Biocomércio, como a cadeia do açaí, do pirarucu, óleos essenciais, fármacos.
- É um potencial gigantesco que vai gerar muito mais recursos para o país e para a população
- do que qualquer desenvolvimento de agronegócio, por exemplo”,
comentou Rosa Lemos de Sá, do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).
A carta assinada pelos governadores ao fim do encontro
- reconhece que a “Amazônia está ameaçada“,
- e pede que a comunidade internacional ajude a pagar por sua preservação.
A busca ativa por fontes de financiamento começa na sequência do debate no Vaticano, com representantes de governos estaduais numa viagem pela Alemanha.
Nádia Pontes
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/593890-vaticano-governadores-da-amazonia-pedem-mais-ajuda-internacional
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