
Direito de imagem GETTY IMAGES – Image caption – Em outubro de 1949, Mao Tsé-tung proclamou a República Popular da China (RPC), com base nas teorias de Marx e Lenin
Há 70 anos, o Partido Comunista assumiu o poder na China, encerrando uma longa guerra civil, e seu líder, Mao Tsé-tung, anunciou o nascimento de uma nova nação: a República Popular da China.
Nesse período, o país passou por grandes mudanças. Mao implementou políticas marxistas, mas,
- diferentemente do comunismo soviético, centrado na classe trabalhadora industrial,
- a revolução maoísta se baseou nos camponeses.
O objetivo do líder chinês era industrializar o país e transformar a tradicional economia agrária. Para isso,
- criou grupos de trabalho e fazendas coletivas,
- proibindo a agricultura particular e a propriedade privada.
A coletivização e a centralização da economia transformaram a sociedade.
Mas o Grande Salto para Frente — como Mao chamou seu processo de industrialização — também causou uma insuficiência alimentar muito grande.
Mao aprofundou suas políticas comunistas e lançou, em meados dos anos 60, outro projeto controverso: a Revolução Cultural,
- uma campanha contra partidários do capitalismo na China
- sob o pretexto — apontam os historiadores — de eliminar seus inimigos políticos dentro do Partido Comunista Chinês.
Milhões de pessoas foram aterrorizadas pela Guarda Vermelha, os jovens mobilizados por Mao para eliminar a “cultura burguesa”.
Apesar disso, um forte culto à personalidade transformou Mao em uma espécie de divindade nacional.
A imagem dele ainda está muito presente no cotidiano do país asiático. No entanto, a República Popular da China é muito diferente daquela concebida pelo autointitulado “Grande Timoneiro”.

A China hoje
Sete décadas após sua fundação como o maior país comunista do mundo, a nação asiática caminha, segundo alguns analistas, para se tornar a principal potência econômica do planeta.
O PIB chinês é superado apenas pelo dos Estados Unidos.
No entanto,
- em termos de paridade do poder de compra (PPP),
- já é o país mais rico do mundo.
A China também possui o setor bancário mais rico e a instituição com o maior total de ativos: o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC).
E é o principal gigante comercial:
- produz e exporta mais que qualquer outro país,
- com 119 empresas na lista das 500 maiores do mundo,
- segundo a lista de 2019 da revista Fortune.

Tudo isso foi possível devido a mudanças introduzidas desde 1978, dois anos após a morte de Mao, por Deng Xiaoping, que promoveu um programa econômico que ficou conhecido como “reforma e abertura”.
Deng fez o oposto da proposta de Mao:
- liberalizou a economia,
- permitindo o ressurgimento do setor privado e o poder descentralizado,
- deixando a tomada de decisão nas mãos das autoridades locais.

Ele também passou a dar aos agricultores maiores liberdades para que pudessem administrar as terras que cultivavam e vender os produtos que colhiam.
Também promoveu uma abertura ao exterior: ele viajou para os EUA e selou laços com Washington, após o histórico primeiro passo que Richard Nixon deu ao visitar a China nos últimos anos de Mao, em plena Guerra Fria.

Assim começaram os contatos comerciais entre a República Popular da China e o Ocidente, abrindo espaço para a entrada no mercado chinês de investimentos estrangeiros e multinacionais icônicas do capitalismo, como Coca-Cola, Boeing e McDonald’s.
‘Socialismo com características chinesas’
O modelo econômico introduzido por Deng, baseado em uma economia de mercado, foi chamado de “socialismo com características chinesas”.
- A fórmula foi bem-sucedida e permitiu à China começar a crescer, de forma sustentável, em níveis recordes, por três décadas.
- O Banco Mundial estima que mais de 850 milhões de chineses saíram da pobreza graças às reformas, como parte de um desenvolvimento sem precedentes.
Os líderes posteriores — Jiang Zemin, Hu Jintao e o atual presidente do país, Xi Jinping — mantiveram os planos de reforma e abertura.
- A China se modernizou e hoje
- não apenas domina a fabricação de roupas, têxteis e eletrodomésticos.
- É também um gigante tecnológico.
A multinacional Huawei, a maior empresa privada da China,
- é líder no desenvolvimento da tecnologia 5G
- e a segunda maior fabricante de telefones celulares do mundo.
Outra empresa privada, a Lenovo, vende mais computadores pessoais que qualquer outra empresa no mundo.

Enquanto isso, a Alibaba, do empresário Jack Ma, domina o comércio online, com um faturamento que supera o da Amazon, sua rival americana.
Os fundadores dessas empresas estão entre as centenas de chineses que agora fazem parte da lista de bilionários da revista Forbes.
Com tudo isso, vale a pena perguntar: podemos continuar chamando a China de país comunista?
‘A pesada mão invisível’
Do ponto de vista político, a resposta é: definitivamente, sim.
70 anos depois de Mao chegar ao poder,
- o país ainda é governado por uma única força, o Partido Comunista da China,
- que opera de forma centralizada
- e tem líderes em cada cidade e região do país.
O presidente é eleito pela Assembleia Popular Nacional (o Parlamento), que é controlada pelo Partido Comunista.
Não há liberdade de imprensa e, com exceção de alguns meios de comunicação privados, o setor de mídia está sob controle estatal.
Segundo a organização de direitos humanos Human Rights Watch, o governo chinês
- “mantém controle rígido sobre a internet, os meios de comunicação e a academia”.
- Também “persegue comunidades religiosas”
- e “detém arbitrariamente defensores dos direitos humanos”.
No entanto, quando o país é analisado por uma perspectiva econômica, é outra história.

“Economicamente, a China está hoje mais próxima do capitalismo do que do comunismo”,
disse à BBC Kelsey Broderick, analista especializada em China da consultoria Eurasia Group.
É uma sociedade de consumo, o que é completamente oposto ao comunismo”, disse.
No entanto, Broderick alerta que,
- embora à primeira vista a economia chinesa pareça completamente capitalista,
- “se você remover a camada mais superficial, poderá ver a mão pesada do Partido”.
A “mão invisível”do Partido Comunista da China está em todos os aspectos da economia.
As camadas inferiores trabalham de forma mais próxima ao capitalismo, mas o controle é definitivamente mais visível no topo da pirâmide econômica: o Estado determina, por exemplo, o preço do yuan e quem pode comprar a moeda chinesa.
- É o Estado que controla quase todas as maiores empresas do país, que administram os recursos naturais.
- Ele também é oficialmente o proprietário de toda a terra, embora, na prática, as pessoas possam ter propriedades privadas.
- E o Estado também controla o sistema bancário, decidindo quem pode tomar empréstimos.
Até as empresas privadas chinesas
- devem passar por inspeções estatais e ter
- “comitês partidários que possam influenciar a tomada de decisões”, diz Broderick.
Isso também ocorre com algumas empresas estrangeiras, no caso de terem entre seus empregados três ou mais funcionários do Partido (situação comum, considerando que o grupo tem quase 90 milhões de membros).

Essa fronteira confusa entre o privado e o estatal está por trás da controvérsia que afeta a Huawei hoje, depois de os Estados Unidos acusarem a maior empresa privada da China de ser uma frente de espionagem estatal — o que a companhia nega.
‘Capitalismo estatal’
Esses traços socialistas que persistem no modelo econômico chinês e que levaram muitos analistas a usar o termo “capitalismo de Estado”também exacerbaram a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos.
Embora o conflito esteja centrado na balança comercial, que é muito favorável a Pequim,
- Washington e outros parceiros comerciais da China
- reclamam do enorme auxílio estatal que as empresas privadas chinesas recebem
- e que, portanto, as coloca em vantagem na comparação com seus rivais internacionais.
“As empresas privadas chinesas têm uma dupla vantagem: tomam empréstimos de bancos públicos e recebem subsídios de energia de empresas estatais que controlam toda a produção de energia do país”,
diz o jornalista e analista internacional Diego Laje.
Laje, que foi apresentador da TV Central da China em Pequim e correspondente da rede americana CNN na Ásia, acredita que a China
“não pode ser chamada de capitalista porque não atende aos requisitos e compromissos da Organização Mundial do Comércio (OMC)”,
à qual aderiu em 2001 e que ainda não a reconhece como uma “economia de mercado”.

No entanto, o jornalista ressalta que “no dia-a-dia, a intervenção estatal não é sentida, o que dá uma sensação de liberdade”que faz com que, de muitas maneiras, a economia chinesa opere como um sistema capitalista.
“Sinto que a China é cada vez mais capitalista”, disse às BBC Xiao Lin, uma mulher de 30 anos do sudeste da China que mudou para Pequim para estudar e trabalhar como intérprete.
Ela diz que vê isso principalmente no mercado imobiliário.
“As casas estão ficando cada vez mais caras e apenas os ricos podem comprá-las. Jovens profissionais como eu não conseguem ter a própria casa e dependem dos pais ou avós.”
A desigualdade é outra consequência que a liberalização da economia trouxe.

Isso também é perceptível nos serviços de saúde:
- a maioria dos chineses depende do sistema público, geralmente lotado,
- mas os mais ricos vão para hospitais particulares.
A educação chinesa também passou por mudanças. Ainda é oferecida pelo Estado, mas já não é mais totalmente gratuita.
“São 9 anos obrigatórios e não pagos. Mas, para ir ao ensino médio e à universidade, é preciso pagar”, diz a jovem.
Onde ela mais sente a presença do Estado em sua vida é em termos de segurança e liberdade de expressão.
- A primeira questão ela elogia: “A China é o país mais seguro que existe, o governo garante nossa segurança”.
- Por outro lado, lamenta as restrições que enfrenta quando quer navegar na internet ou usar as redes sociais.
Futuro: mais reformas ou retorno ao passado?
Mas o que acontecerá com a China no futuro? O processo de “reforma e abertura”será aprofundado, como muitos exigem?
- Enquanto alguns chineses, como o primeiro-ministro Li Keqiang, defendem a expansão da economia de mercado,
- Xi Jinping mostrou sinais de querer fortalecer as rédeas do poder estatal.

Fraser Howie, coautor do livro Red Capitalism: The Fragile Financial Foundation of China’s Extraordinary Rise(Capitalismo Vermelho: a fragilidade financeira da ascensão extraordinária da China, em tradução livre), alerta que o presidente chinês está se afastando do capitalismo.
“Xi quer que um estado forte esteja no comando. Ele simplesmente
- não acredita nas forças do mercado como solução para os problemas,
- nem vê espaço em que o Partido Comunista não possa ou não deva intervir”,
disse ao jornal South China Morning Post, o principal jornal em inglês de Hong Kong.
No âmbito político, a abertura é ainda menor.
Em 1989, o massacre na Praça da Paz Celestial (Tiananmen) — quando milhares morrerram na repressão pelas forças de segurança a protestos pacíficos em favor de maiores liberdades — acabou com qualquer possibilidade de mudança nessa área, concordam os especialistas política chinesa.
E, segundo Laje, a maneira como Xi lidou com os recentes protestos em Hong Kong é uma indicação de que ele está endurecendo a sua postura.
“Os níveis de repressão e controle estão aumentando e a tecnologia foi aperfeiçoada para que a China seja hoje um estado policial perfeito”,diz ele.
Broderick, da Eurasia Group, argumenta que Xi
“está convencido de que o colapso da União Soviética ocorreu porque eles deixaram de lado suas raízes comunistas e não quer que isso aconteça em seu país”.
Há quem compare algumas de suas políticas com as de Mao: por exemplo, a campanha de combate à corrupção que ele promoveu quando chegou ao poder, segundo os críticos, era uma ferramenta contra seus oponentes políticos.

O colunista do South China Morning Post Cary Huang afirma que Xi se mostra como um
- “defensor do livre mercado e da globalização econômica” no exterior,
- mas “em seu país de origem ele lidera uma campanha para doutrinar a nação com ideologias do marxismo, leninismo e de Mao.”
Segundo Huang, o presidente chinês conseguiu se tornar um
- “sábio do comunismo, ao lado de Mao e superior a Deng”
- e seu “entusiasmo pela ortodoxia comunista”
- pode ter a ver com seu desejo de“justificar o que provavelmente acabará sendo um governo vitalício, de estilo monárquico”.
À medida que a economia chinesa desacelera — levando alguns a duvidarem de que ela possa se tornar a economia número um do planeta, ou mesmo cogitando uma grande crise financeira — aumentam as dúvidas sobre como Xi enfrentará a situação.
Em 2018, a China modificou a Constituição para garantir sua continuidade no poder.
O que é certo, diz Laje, é que
“hoje a classe média chinesa está acostumada a viver de uma certa maneira e para eles não há como voltar atrás”.
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