SALVATORE CERNUZIO – 28 de setembro de 2019
Foto: DAQUI
Tradução: Orlando Almeida
A decisão do Papa anunciada hoje pela Congregação para a Vida Consagrada. Nomeado comissário pontifício,o cardeal Damasceno Assis .
Há dois anos, um vídeo mostrava o fundador João Clá dando crédito a inquietentes teorias reveladas por um suposto demônio
CIDADE DO VATICANO. “Carências” relativas
- ao estilo de governo,
- à vida dos membros do Conselho,
- à pastoral vocacional,
- à formação das novas vocações,
- à administração,
- à gestão das obras
- e à busca de recursos.
Em suma, não faltaram motivos
- para pressionar a Santa Sé
- a comissariar os Arautos do Evangelho
- e os seus dois ramos de vida consagrada masculino e feminino.
- Ou seja a Sociedade de vida apostólica clerical Virgo Flos Carmeli e a Sociedade de vida apostólica feminina Regina Virginum.

Mons. João Clá Dias, o fundador, que fala com o diabo e que quer ser adorado. Foto: Daqui
Nesta manhã, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada anunciou, por meio de um comunicado,
- a decisão de submeter a observação esta associação internacional de fiéis do direito pontifício,
- a primeira a ser erigida pela Santa Sé no novo milênio (22 de fevereiro de 2001),
- cujos membros, presentes em 78 países do mundo,
- são reconhecidos pelo uniforme – uma espécie de túnica curta na qual se destaca uma grande cruz branca e vermelha sobre o peito, semelhante à usada pelos cavaleiros medievais – e pelas botas pretas. Uma vestimenta usada também pelas mulheres.
O olhar do Vaticano já se havia fixado, anos atrás, sobre esta associação em que se pratica o celibato e que se dedica ao apostolado. Em 23 de junho de 2017 – como lembrou uma nota divulgada pela Assessoria de Imprensa da Santa Sé –
- a Congregação presidida pelo Cardeal João Braz de Aviz,
- junto com o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida,
- havia ordenado uma visita apostólica aos Arautos e às duas Sociedades de vida apostólica derivadas dessa associação, que tinham obtido o reconhecimento pontifício em 2009.
Ambas foram fundadas por
- monsenhor João Scognamiglio Clá Dias,
- ex-membro da associação católica tradicionalista e contra-revolucionária TFP (Tradição, Família e Propriedade),
- criada na década de 1950 por Plínio Corrêa de Oliveira, professor e pensador católico brasileiro, mais conhecido como “Dr. Plínio”.
Foi precisamente com a morte de Corrêa, em 1995,
- que a TFP foi desmembrada;
- e de um dos seus ramos, que se tornou completamente autônomo,
- nasceram os Arautos do Evangelho.
Encontraram apoio na Cúria Romana, entre alguns bispos e cardeais.
Monsenhor Clá ocupou o cargo de superior até onze dias antes do início da investigação da Congregação para a Vida consagrada.
- Renunciou com uma carta tornada pública,
- na qual explicava em termos gerais as razões da sua escolha,
- sem entrar no mérito da investigação aprofundada que envolvia o Instituto.
Apesar das vozes dos críticos do pontificado reinante, que
- enquadravam a decisão do Vaticano como uma obstinação contra realidades eclesiais conservadoras,
- logo vieram à luz problemáticas internas da associação.
A começar por
- uma espécie de culto secreto e extravagante
- feito de teorias milenárias que que envolviam Nossa Senhora de Fátima,
- o fim do mundo e o triunfo de monsenhor Clá Dias,
- e de testemunhos do próprio Satanás convocado em exorcismos realizados com fórmulas não aprovadas pela Igreja Católica.
Quem denunciou estes fatos foram vários ex-membros, que também falavam de
- adoração por parte dos membros a uma espécie de trindade
- composta por Plínio Corrêa de Oliveira,
- pela sua mãe Dona Lucília, considerada quase uma santa,
- e pelo próprio fundador.
Um culto que ia bem além do culto da personalidade.
Isso foi demonstrado por um vídeo divulgado na Web em 2017, do qual deu notícia o Vatican Insider que foi o primeiro a lançar luz sobre o caso. Nele,
- Scognamiglio Clá Dias estabelecia um diálogo, às vezes surreal,
- com cerca de sessenta dos seus padres
- e praticava rituais de exorcismo criados por ele mesmo.
O vídeo, embora não tivesse uma data, parecia remontar a fevereiro de 2016, uma vez que num dos discursos mencionava a visita do papa ao México. Não se tratava de um vídeo gravado às escondidas, dada a estabilidade da imagem e a panorâmica inicial que mostrava toda a sala onde se encontravam o fundador dos Arautos e o grupo de padres.
Ordem “militar” no Século XXI. Foto: Daqui
Em particular,
- tinha atraído a atenção coletiva a cena em que,
- durante uma das falas, Clá Dias abria um envelope que continha a transcrição de perguntas e respostas entre um padre e o diabo durante um exorcismo.
- O monsenhor entregou o pacote a um padre que o leu de pé ao seu lado.
As palavras transcritas continham várias afirmações delirantes:
- o fato de o “doutor Plínio”, do céu ao lado da Virgem Maria, ser o autor das mudanças climáticas e do aumento do calor;
- as supostas profecias de um meteorito que se iria precipitar no Oceano Atlântico arrasando a América do Norte;
- o anúncio do desaparecimento do papa Francisco que teria “morrido caindo”
- e que teria sido substituído pelo próprio Clá Dias.
Diálogos nos limites do absurdo que, no entanto, – como mostrado no vídeo – não eram contestados de maneira nenhuma.
Pelo contrário,
- tudo parecia aprovado
- e, a partir de uma pergunta do padre ao diabo,
- ficava claro também que as perguntas eram feitas “por ordem de monsenhor Clá”.
O vídeo foi rapidamente removido da web, como parece terem sido outros vídeos que mostravam outros exorcismos. O Vaticano, portanto, queria ver o que realmente acontecia.
Entretanto, como já mencionado, o fundador apresentou prontamente a sua demissão e os Arautos tentaram dar resposta às polémicas dizendo que
- se tratava de um vídeo de uma reunião íntima,
- e portanto, destinada a um uso interno,
- e que o conteúdo havia sido extrapolado maliciosamente por um ex-membro.
Na época, houve também uma intervenção da TFP (Tradição Família e Propriedade), por meio do seu representante em Roma Juan Miguel Montes, enfatizando o claro distanciamento entre a TFP e sua “costela”.
- “Os Arautos do Evangelho não continuam o pensamento, as práticas e a ação que caracterizaram Plinio Corrêa de Oliveira, fundador moral desta vasta família espiritual;
- na verdade, eles se organizaram usando uma denominação de que ele não teve conhecimento antes de sua morte em 1995″, dizia uma nota, acrescentando:
- “Nada parecido com o que é dito nos vídeos e nas notícias que circulam nestes dias sobre os Arautos do Evangelho, aconteceu jamais diante do fundador da TFP brasileira ou, com seu conhecimento, em nenhuma das associações da TFP”.
Depois de
- mais de dois anos de investigação e depois de ter “estudado cuidadosamente” as conclusões dos visitadores, como se lê na nota da Sala de Imprensa do Vaticano de hoje,
- e acima de tudo depois de obter a aprovação do Papa,
- o Dicastério de Vida Consagrada constatou os elementos que levaram à decisão do comissariamento.
Como comissário foi nomeado o arcebispo emérito de Aparecida, cardeal Raymundo Damasceno Assis, que será assistido por dois assistentes: José Aparecido Gonçalves de Almeida, bispo auxiliar de Brasília, e irmã Marian Ambrosio, superiora geral das irmãs da Divina Providência.
SALVATORE CERNUZIO
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