Alexandre Martins – 16/09/23019
Durante anos, a imagem do campo petrolífero de Abqaiq, na Arábia Saudita, com a sua aura de fortaleza imune a ataques de grande dimensão, ajudou a acalmar os receios de uma grave crise no fornecimento de petróleo em todo o mundo. Mas o que aconteceu na madrugada de sábado, quando dez drones furaram as defesas antiaéreas sauditas e destruíram uma parte importante de Abqaiq e de outro campo petrolífero, foi um pesadelo tornado realidade para os responsáveis de segurança.
Ainda é cedo para se perceber quando é que os campos de Abqaiq e Khurais vão voltar a funcionar em pleno, como antes do ataque de sábado, que os EUA e a Arábia Saudita dizem ser da responsabilidade do Irão. Mas a dimensão do rombo foi conhecida em pouco tempo: 5,7 mil milhões de barris de petróleo a menos por dia, o equivalente a seis por cento da produção mundial.
Ainda não se sabe quantos desses quase seis mil milhões de barris vão ficar fora do mercado por pouco tempo, por razões de segurança, e quantos só vão ser repostos no mercado quando a Arábia Saudita retomar a sua capacidade de produção máxima. Esta segunda-feira, o jornal Financial Times dizia que isso só deverá acontecer dentro de meses,
“o que pode frustrar os esforços para acalmar o mercado”.
Acima de tudo, é o fim da imagem de invencibilidade dos grandes campos sauditas que pode causar mais problemas ao mercado de petróleo a médio e a longo prazo.
“Se os mercados voltarem a preocupar-se com os riscos geopolíticos, como aconteceu em anos passados – e há muito com que nos preocuparmos, das ameaças do Irão no Estreito de Ormuz, à guerra na Líbia, passando pelos recentes ataques com drones –, o preço do petróleo pode aumentar durante meses. E isso pode travar ainda mais o crescimento económico, numa fase de crescente preocupação com as tensões comerciais e de um abrandamento generalizado da produção”,
alerta Keith Johnson, especialista em geoeconomia, no site da revista Foreign Policy.
“É muito difícil exagerar a seriedade dos ataques, especialmente em Abqaiq. É o sistema nervoso central da infra-estrutura energética do país”,
disse Helima Croft, da empresa RBC Capital Markets, ao canal CNBC.
“Mesmo que as exportações sejam repostas nas próximas 24 ou 48 horas, a imagem de invulnerabilidade foi apagada”, disse Croft.
A guerra já matou quase 100 mil pessoas, num conflito que é visto também como o palco sangrento onde a Arábia Saudita e o Irão se enfrentam de forma indirecta – Riade ao lado do Presidente Hadi, um sunita; e o Irão ao lado do movimento Houthi, xiita.
Em vez dos houthis, apoiados pelo Irão mas sem acesso a tecnologia e armamento sofisticados, teriam sido os próprios iranianos a lançarem os drones contra os campos de Abqaiq e Khurais, na sua luta pelo poder regional com a Arábia Saudita e numa estratégia para desestabilizar o fornecimento de petróleo a nível mundial – agora que as suas próprias vendas caíram para quase zero por causa das sanções impostas pelos EUA no último ano.
“Lembram-se de que os iranianos abateram um drone [norte-americano] e disseram que tinha sido no seu espaço aéreo, quando na verdade nem sequer foi perto? Eles mantiveram essa versão sabendo que era uma grande mentira, e agora dizem que não têm nada que ver com o ataque na Arábia Saudita. Vamos ver”,
disse Trump esta segunda-feira, no Twitter, referindo-se ao abate de um drone norte-americano pelo Irão, em Junho. Nessa altura, o Presidente dos EUA disse que travou um ataque militar contra o Irão a poucos minutos da hora marcada.
Na tarde desta segunda-feira, um porta-voz do Exército saudita afirmou, em conferência de imprensa, que os drones usados no ataque de sábado são de fabrico iraniano. O coronel Turki al-Malki, da coligação liderada pela Arábia Saudita que combate no Iémen, disse ainda que os ataques não foram lançados a partir do Iémen, segundo as investigações preliminares.
O Governo iraniano desmente a acusação de Washington e de Riade, e diz que ela só se explica porque a estratégia norte-americana de máxima pressão sobre o Irão “falhou” –
- uma referência à saída dos EUA do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, em Maio de 2018,
- e à reposição e endurecimento das sanções económicas.
As investigações estão a decorrer, mas os EUA parecem ter afastado a hipótese de os drones terem sido lançados a partir do sul do Iraque, de uma zona controlada por um grupo xiita apoiado pelo Irão. Segundo um comunicado do Governo iraquiano, foi isso que o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, disse ao primeiro-ministro do Iraque numa conversa telefónica.
Seja qual for a origem, é provável que o ataque de sábado enterre de vez a proposta francesa para uma reaproximação entre os EUA e o Irão, que tinha como objectivo salvar o acordo sobre o programa nuclear iraniano.
Ainda que Washington se mantenha cauteloso quanto a uma intervenção militar no Irão, é possível que a Arábia Saudita queira responder com ataques em território iraniano.
E a hipótese de haver um erro de julgamento numa situação cada vez mais complicada deixa alguns especialistas apreensivos:
“Estamos a falar de um novo nível de confronto”,
disse à Foreign Policy Farea al-Muslimi, do Centro de Estudos Estratégicos de Sana, no Iémen.
Alexandre Martins
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