Jamil Chade – 29/07/2019 – Foto: envolverde.cartacapital.com.br
Nos sete meses que se passaram desde então, o Governo deu demonstrações de
- que área ambiental não será sua prioridade,
- que um desmonte dos mecanismos de monitoramento está em andamento
- e que, de forma velada, sinais estão sendo enviados a garimpeiros, madeireiros e agricultores de que a impunidade reinará.
Parte desses sinais foram dados quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, questionou o papel de Chico Mendes. Mas o chefe da pasta foi muito além. Assim que assumiu, extinguiu a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas e a substituiu pela Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável.
Para a surpresa mundial, o Brasil ainda desistiu de sediar a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-25).
O mesmo ministro disse que
- o Governo precisava se preocupar com coisas mais tangíveis
- e que o assunto das mudanças climáticas era para “acadêmicos”
- sobre como estará o planeta “daqui a 500 anos”.
Sua pasta ainda contingenciou 96% dos recursos que existiam para a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas.
A onda de ataques a ambientalistas continua também no alto escalão do Governo. Para o presidente brasileiro,
- apenas “veganos que só comem vegetais”
- se importam com a questão ambiental,
- enquanto o chefe da diplomacia colocou em questão o fenômeno do aquecimento global.
A ofensiva não se limitou a frases que beiram ao ridículo. Bolsonaro
- prometeu asfaltar a rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho,
- e abriu uma guerra contra os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Respeitada internacionalmente, a entidade revelou uma ampliação do ritmo do desmatamento de 68% em comparação a julho de 2018.
Para Bolsonaro, porém,
- informações do órgão não correspondem à realidade,
- disse que os funcionários da entidade tem “fidelidade às ONGs internacionais”
- e alertou que tais publicações “atrapalhariam” a relação comercial do Brasil com o mundo.
- A solução? Censurar a publicação dos dados.

Pelo interior do país e nas áreas de proteção, líderes indígenas e ambientalistas relatam como a tensão ganha força a cada dia. Em algumas regiões, os sinais de flexibilização de porte de armas por parte do Governo levaram a uma corrida por munição. Em outros lugares,
- milícias armadas e grupos se organizam,
- com o sentimento de respaldo da impunidade do Estado.
O mesmo ministro que questionou Chico Mendes viajou até a região amazônica para ouvir os pedidos de madeireiros, duas semanas depois de um veículo do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) ser incendiado. A Polícia Federal suspeita que o ataque ocorreu por milícias armadas pelos próprios madeireiros.
“Vamos ver um aumento de conflitos”, teme Almir Suruí, um dos principais líderes indígenas.
“Nos defendemos com flechas. O que significa que, nesses confrontos, vamos ver índios mortos”, disse, há poucas semanas.
Almir parecia saber do que estava falando.
- Nesta semana, um índio foi assassinado durante a invasão de garimpeiros no estado do Amapá,
- o que levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a pedir uma resposta por parte do Estado brasileiro,
- o que por enquanto não ocorreu.
Mas a recusa do Governo em lidar com a realidade se contrasta com a prioridade que a floresta ganha pelo mundo. Hoje, em diferentes fóruns internacionais, a Amazônia está no centro dos debates e a questão ambiental já é o maior obstáculo internacional para Bolsonaro.
* Nesta semana, em Genebra, cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas se reúnem para aprovar um novo documento que promete colocar ambientalistas em uma rota de choque com o Brasil. No texto, ficará escancarado que o atual modelo agrícola é insustentável e que as florestas terão de ser protegidas se o planeta quiser evitar o desastre sócio-ambiental.
* Em Nova York, há poucos meses, o movimento que conseguiu que Bolsonaro optasse por evitar a cidade foi lançado justamente por cientistas e ambientalistas do museu natural que seria palco de uma homenagem ao brasileiro.
* Os protestos contra sua presença se contrastavam com a forma pela qual o cacique Raoní foi, em maio deste ano, recebido por chefes de estado da Europa.
* Um abraço fraterno do papa Francisco ao líder indígena mais pareceu uma sinal de demonstração de que aqueles povos ameaçados e suas florestas contavam com o amparo mundial contra as políticas de Bolsonaro.
* Pelas ruas europeias, a Amazônia também dominou a agenda de crianças que passaram a exigir de seus governos ações ambientais reais a cada sexta-feira.
* No Parlamento Europeu,
- o debate que deu início ao processo de consultas para a ratificação do acordo comercial entre Mercosul e UE
- foi dominado por um só tema: a proteção da floresta.
- Eurodeputados pressionaram a Comissão Europeia por duas horas sobre como o bloco poderia agir para garantir que Bolsonaro mantenha seus compromissos ambientais.
Enquanto alguns sugeriam
- a criação de um “botão vermelho” para suspender o acordo em caso de desmatamento flagrante,
- outros insistiam que não se poderia premiar as exportações brasileiras
- num momento de destruição da floresta.
Pressionados pelas ruas, por parlamentares e por cientistas, líderes europeus assumiram a questão ambiental em suas agendas políticas como poucas vezes ocorreu. “É dramático o que está ocorrendo no Brasil”, disse a chanceler Angela Merkel, pressionada pelo avanço de partidos verdes nas últimas eleições.
Não faltam ainda os governos, como o de Emmanuel Macron, que disfarçam seu protecionismo agrícola em “luta ambiental”.
- Paris, que sempre resistiu a um acordo comercial com o Mercosul,
- deixou claro que apenas ratifica o tratado
- se o Brasil der demonstrações claras sobre suas intenções na Amazônia.
Mas, manipulado como escudo ou não, o tema ambiental permanece como uma pedra no caminho do Brasil.
Assim, quando Bolsonaro proclama que a Amazônia é brasileira, ele tem razão.
- O problema é que essa soberania soberba
- não protegerá nem a floresta
- e nem os interesses do país pelo mundo.
O Brasil pode tentar enganar a humanidade sobre sua capacidade de controlar o que ocorre na floresta. Mas não terá como asfixiar o debate internacional.
- Um país que mata sua floresta mata sua alma.
- Mas, no século 21, um país que mata sua floresta também mina seu interesse nacional.
Para uma nova geração mundial, a preservação está no centro do debate internacional. Mas, nos tristes trópicos, o combate ao desmatamento da Amazônia está apenas na periferia das prioridades políticas. E o impacto disso será o enfraquecimento da influência diplomática do Brasil, inclusive com prejuízos econômicos.
Hoje, o maior ato de soberania que o Brasil poderia fazer seria o de proteger a floresta, transformando-a em seu maior ativo. Seu maior instrumento de barganha.
De pé, as árvores dessa imensa região do mundo garantirão respeito – e lucros – a uma nação em busca de um reencontro com seu destino. No chão, aprofundarão a cova onde estará enterrada a reputação do único país com nome de árvore.
Jamil Chade
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591153-amazonia-no-centro-do-mundo-e-na-periferia-do-brasil
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