José Brissos-Lino – VISÃO, 10.07.2019,
Foto: Getty Images
A celebração costuma durar uma semana e reúne habitualmente líderes espirituais destacados, nacionais e estrangeiros, como políticos, intelectuais, filantropos e estrelas pop, de modo a que os eventos sejam socialmente relevantes.
Em anos anteriores estes encontros ficaram marcados por pedidos expressos de algumas mudanças políticas e sociais. No ano 2000 a convenção pressionou o governo a eliminar a dívida de países pobres, e em 2017 o ex-presidente Barack Obama participou nos trabalhos.
Os encontros têm uma componente política, que inclui centenas de fóruns nos quais são debatidas questões relevantes, mas também concertos de música gospel e prática de desportos. Este 37.º Encontro da Igreja Protestante Alemã (Deutsche Evangelische Kirchentag),
- juntou mais de cem mil visitantes em Dortmund e na região do Ruhr sob o lema “Confiança”
- e a classe política foi convidada a participar nas discussões, incluindo membros do governo federal, mas sempre a título pessoal.
A própria chanceler Angela Merkel é filha de um pastor luterano da antiga Alemanha de Leste. Porém, os populistas do Alternativa para a Alemanha (AfD) não foram convidados, apesar de constituírem hoje a terceira maior força do Bundestag, porque a reunião deste ano tinha como objectivo debater
- a solidariedade nacional e internacional,
- as mudanças climáticas,
- o nacionalismo,
- o racismo e a xenofobia.
Contentar-se-ão em apresentar um pequeno stand do partido no centro da cidade.
Um dos promotores adiantou:
“Teremos que deixar claro de novo e de novo que esse é um caminho errado. Precisamos de confiança para podermos viver juntos na Europa – na verdade, em todo este planeta – em vez de nos isolarmos, caso contrário a humanidade não sobreviverá”.
Como afirmou Hans Leyendecker, presidente do evento:
“Há muitas coisas que são como o ácido, que devoram lentamente a nossa confiança e minam a coesão social”.
Este grande evento bianual iniciado em 1949 foi criado por Reinold von Thadden-Trieglaff, membro da Igreja Confessante (Bekennende Kirche) que resistiu ao regime nazi e presidiu ao mesmo até 1964. Talvez o maior nome da Igreja Confessante seja o teólogo e pastor luterano Dietrich Bonhoeffer, um dos seus fundadores, que pagou com a vida a temeridade de regressar a Berlim em pleno ocaso do regime nazi apenas por querer servir o seu país, então dirigido por um louco. Foi preso, internado num campo de concentração e enforcado poucos dias antes da libertação.
Recorde-se que em 1933 o regime nazi
- forçou as Igrejas a entrarem para a Igreja Protestante do Reich
- e apoiar a ideologia nazi.
Em Setembro desse mesmo ano foi criada na clandestinidade a Igreja Confessante, pelos que não suportavam a loucura hitleriana nem o subjacente racismo ideológico.
Em 1934 estruturou-se, a partir duma Declaração Teológica escrita essencialmente por Karl Barth e ratificada no Sínodo de Barmen.
- Martin Niemoller assumiu a liderança do movimento,
- tendo sido preso, julgado e enviado para um campo de concentração,
- tal como muitos outros pastores protestantes,
- além do confisco dos bens do movimento.
Boa parte dos luteranos alemães apoiou o nazismo. O forte Movimento Cristão Alemão (Deutsche Christen)
- estabeleceu por alvo articular a fé cristã com o nacional-socialismo,
- criando assim um nacional-socialismo protestante,
- ao considerar Hitler um complemento da Reforma,
- excomungar os judeus baptizados
- e excluir o Antigo Testamento das Escrituras.
Na recente sessão de abertura do novo Parlamento Europeu em Estrasburgo
- os ingleses do Partido do Brexit assumiram exactamente a mesma atitude dos acólitos de Hitler, os deputados do partido nacional-socialista no Reichtag em Berlim,
- neste caso virando as costas durante a execução instrumental do hino da União Europeia.
Uma atitude que
- diz tudo sobre os companheiros de Nigel Farage e o populismo de direita
- que se transformou em moda política nos últimos tempos.
Dir-me-ão que se trata duma comparação forçada. Bem sei que se trata de situações diferentes, mas o que se regista
- é a mesmíssima atitude de desprezo pela função parlamentar,
- a qual, em regime de eleições livres,
- é sempre uma garantia de convivência e prática democrática
- e um travão às ditaduras de pensamento único.
Ainda no ano passado o dirigente da extrema-direita alemã (AfD) Alexander Gaulanda, comparou o nazismo a um “excremento de pássaro” num milénio alemão glorioso, desvalorizando assim com leviandade os horrores provocados por aquele estado totalitário fascista na história europeia, que chegou a matar 15 mil judeus por dia.
Tal embuste foi prontamente condenado pelo presidente da Alemanha. Convém, portanto, que a Igreja da Alemanha não esqueça o seu passado religioso e político. Afinal, ainda nem passaram noventa anos sobre o grande desvario.
Doutorado em Psicologia e Especialista em Ciência das Religiões; Diretor do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona; Coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo… Desenvolve há muitos anos intensa atividade em instituições culturais, humanitárias e de solidariedade social, algumas das quais fundou.
Fontes: hhttp://visao.sapo.pt/opiniao/2019-07-10-Ainda-ha-alemaes-com-memoria-gracas-a-Deus
Leave a Reply