
Foto: Michel Löwy, autor de Cristianismo de la Liberación. / Pagina12
A reportagem-entrevista é de Emilce Cuda, publicada por Página|12, 09-07-2019. A tradução é do Cepat.
O autor de Cristianismo de Liberación. Perspectivas marxistas y ecosocialistas – livro que a editora El Viejo Topo acaba de publicar na Europa –
- não é apenas um dos principais intelectuais do marxismo atual,
- mas também coautor e promotor do Manifesto Ecossocialista Internacional.
- Judeu e ateu, ganhou prestígio por suas pesquisas sobre a Filosofia e a Teologia da Libertação latino-americana em relação com o político.
Este homem que define o Papa com a frase: “esse homem tem um espírito radical”,
- não concorda com a ideia de que a religião é o baluarte do obscurantismo,
- conforme a viram Marx e Engels.
Mantém contato próximo com o Cristianismo da Libertação, categoria à qual dá preferência em relação à Teologia da Libertação. Afirma que a diferença mostra outra perspectiva de crença religiosa no campo político.
- Segundo Löwy, na América Latina,
- a religião em vez de entorpecer, desperta.
É o mesmo argumento usado pelo teólogo da libertação Gustavo Gutiérrez, em defesa própria, frente a Roma, conforme disse no encontro de Boston sobre a teologia latino-americana, em 2017.
Francisco saúda a autora do texto/ Religión Digital
Em seu livro, o sociólogo francês diz aceitar a posição marxista segundo a qual a religião pode ser um narcótico, mas apenas quando se trata de “seitas religiosas que nada mais são do que
- uma combinação fraca de manipulação econômica,
- lavagem cerebral obscurantista
- e anticomunismo fanático”.
Seria o caso da nova Teologia da Prosperidade que abona o discurso fascista na América Latina. No entanto, MichelLöwy explica que
- “embora a religião tenha sido até o século XVII o espaço simbólico no qual forças antagônicas disputavam,
- na América Latina, a relação se dá ao contrário.
- Lá, a religião da periferia é revolucionária contra um materialismo absolutista “.
Esse é o ambiente social a partir do qual Francisco lê.
Ao longo de sua carreira, Löwy chegou a distinguir com clareza entre
- um catolicismo intransigente, que se torna um cristianismo social capaz de criticar os excessos do capitalismo liberal, sem realmente se opor à ordem política e econômica de seu tempo – próprio da teologia progressista europeia -,
- e um cristianismo de libertação que se opõe ao sistema e se organiza para mudar imediatamente as estruturas, próprio da Teologia da Libertação latino-americana.
Isto lhe permite descobrir que
- “a teologia do Papa é outra coisa”,
- porque “não vem da cúpula para a base como a progressista,
- nem tampouco da base para a cúpula como na libertação”.
Ao contrário, “vai da periferia para o centro”.
A entrevista revela que, segundo o autor, o discurso do atual pontífice “não é propriamente Teologia do Povo“. O argumento é:
“Enquanto essa criticava o sistema por sua injustiça social, enfatizando o cultural sobre o econômico, a Laudato Si’ é uma encíclica muito crítica ao sistema econômico, uma crítica radical que vai além da Teologia do Povo, uma encíclica antissistêmica, inclusive anticapitalista, embora a palavra “capitalismo” não apareça”.
No entanto, diz,
“o que falta na Laudato Si’ é indicar qual é o sujeito da mudança, porque o Papa não fala sobre isso no documento”.
Concorda com Francisco que “temos que mudar”, mas se pergunta “quem irá implementar essa mudança”.
Segundo Löwy, o próprio Francisco dá a resposta nas reuniões com os movimentos sociais, “muitos deles, muito radicais”. Vê que ali
“o Papa identifica claramente o sujeito da mudança, diz que eles são os que vão mudar as coisas, que têm que assumir essa tarefa e que a mudança está em suas mãos”.
O sujeito da mudança
- não são os de cima,
- nem os de baixo,
- mas está nas margens,
de acordo com a interpretação que Löwy faz do discurso de Francisco. A mudança vem de fora para o centro. Por isso, afirma que com esse gesto “Francisco aponta que vai além da Teologia do Povo“.
O que leva o Papa a ir além da Teologia do Povo? Löwy supõe que Bergoglio,
“quando era bispo e cardeal, defendeu a linha do Vaticano, mas no momento em que é eleito Papa, já não tem que prestar contas a ninguém, exceto para Deus, e isso lhe dá uma espécie de campo aberto, ou seja, fazer o que parece justo sem ter que prestar contas ou se justificar”.
Isso explica, por exemplo, segundo este autor, a decisão de Francisco de realizar um encontro de diálogo, em Roma, entre cristãos e pensadores da esquerda marxista, do qual Michel Löwy fez parte. Conta que “ali aconteceu algo surpreendente, novo”.
A partir desse encontro, Löwy observa que “a esquerda tem mais empatia com o Papado que boa parte dos católicos”. De acordo com sua experiência nesse diálogo, “os católicos que apoiam o Papa não podem segui-lo em sua radicalidade”. Neste contexto, conta que os marxistas diziam:
“Veja o que disse o Papa! Tomavam a iniciativa. Os católicos não marxistas só se referiam a Francisco, se os marxistas o mencionavam antes”.
Sua impressão é que Francisco está realmente na vanguarda, alguns passos à frente da Igreja, porque
“a Igreja tem
- um setor reacionário que tenta fazer de tudo para frear o Papa e o expulsar o mais rápido possível,
- e outro setor que o segue pela a legitimidade que tem.
- Há uma minoria que, sim, assume sua radicalidade, e realmente está disposta a pensar em termos de Laudato Si’”.
Sua reflexão me provoca a lhe perguntar se considera que o Papa tem conhecimento da teoria marxista.
Löwy responde que
“não se vê entre as suas supostas fontes uma literatura de esquerda, salvo algum teólogo da libertação”.
Em relação a isso, destaca que Massimo Borghesi – autor da Biografia intelectual de Francisco -,
- “apesar de localizar todas as fontes que Bergoglio leu,
- não levou em conta seu contato social com líderes sindicais, sociais e políticos”.
Segundo Michel Löwy, o Papa
“dialoga com os movimentos sociais e ali há um discurso do qual se apropriou”.
Diz que
- “um pensador não é apenas a soma de suas fontes,
- mas alguém que com esse material cria algo novo,
- e Bergoglio criou algo novo com toda essa leitura, mais sua experiência social”.
Acrescenta que
“para além de todas as fontes, o Papa está criando um novo discurso, uma nova teologia sem precedentes, algo que tem a ver com João XXIII – o único precedente semelhante -, mas acredito que ele vai mais longe”.
Frente aos que opinam que a religião não deve se envolver em política, aos 81 anos, Löwy está convencido de que na América Latina
“a teologia tem um papel muito importante politicamente”.
Tomando o caso concreto do Brasil, argumenta que
“não teria existido o PT, nem os sindicatos mais progressistas, nem o movimento campesino MST, sem o trabalho do Cristianismo de Libertação, que é muito mais que a teologia”.
Segundo o autor,
“se no próximo período histórico a esquerda conseguir mudar a correlação de forças, será porque esses militantes, ou seja, o povo da pastoral, das comunidades de base, os teólogos, desempenharão um papel muito importante”. Sem eles, nada vai acontecer”.
Intui que o movimento social cristão de libertação
“terá uma oportunidade histórica, porque agora com Francisco tem um apoio importante”.
Emilce Cuda,
Teóloga e Professora universitária
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/590715-o-papa-tem-um-espirito-radical-conversa-com-michel-loewy
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