Pe. Peter Daly – 25/06/2019
Foto: (Dreamstime / Diego Vito Cervo)
Tradução: Orlando Almeida
James Carroll afirma numa edição recente da revista The Atlantic que o sacerdócio precisa ser abolido antes que a igreja possa ser reformada.
Garry Wills, no seu livro de 2013 Why Priests? [Por que os padres?], diz que os padres são uma camarilha que se auto-perpetua e uma tomada de poder medieval, contrária à igualdade de todos os crentes.
Esses autores juntam-se a um coro de vozes, que remonta à época da Reforma, argumentando que deveríamos abolir os padres.
Eu não iria tão longe. Mas
- depois de quase quatro décadas como seminarista primeiro e depois padre,
- acho que o sacerdócio precisa de reforma – de uma reforma fundamental.
Nós não precisamos de vitrines. Não precisamos apenas de algumas mudanças na política e nos procedimentos.
- Precisamos mudar toda a cultura do sacerdócio e do episcopado.
- Se não o fizermos, continuaremos a declinar e finalmente cair em nossa própria irrelevância e escândalo.
Eu não acho que nossos bispos entendem isso. Eles acham que algumas mudanças nos procedimento e na política são suficientes. Então, volta-se aos negócios como de costume.
A reunião deles, recentemente concluída em Baltimore, mostrou a sua falta de urgência.
Basicamente, eles não fizeram nada.
Não haverá real prestação de contas externa real nem resposta aos leigos. Eles irão supervisionar-se a si mesmos e prestar contas apenas uns aos outros, o que, em última análise, significa não prestar contas nenhumas.
Eles não perceberam que o editorial do NCR, publicado pouco antes da reunião dos bispos em novembro de 2018, é ainda mais verdadeiro hoje: “Acabou”.
Intelectuais como Wills e Carroll
- dão-se ao trabalho de escrever livros que refletem a sua indignação,
- mas a maioria das pessoas,
- especialmente os jovens,
- estão apenas indo embora.
Perguntem aos seus filhos adultos e netos. As estatísticas do Pew Research Center dizem-nos que,
- para cada adulto que, a cada ano, entra na igreja através da RCIA [Rite of Christian Initiation of Adults – Rito de Iniciação Cristã de Adultos],
- cinco ou seis saem.
- A Igreja Católica no mundo desenvolvido está se tornando um centro geriátrico e uma peça cultural de museu.
(Newscom/Design Pics/Con Tanasiuk)
A igreja e o sacerdócio precisam de uma reforma real.
Precisamos enfrentar as questões que impedem os sacerdotes de falar honestamente com as pessoas, os escândalos que obstruem o caminho do Evangelho.
Precisamos
- reabrir as janelas abertas pela primeira vez no Vaticano II
- e deixar entrar a luz do sol e o ar fresco sobre o sacerdócio
e enfrentar questões como
- a misoginia,
- o carreirismo,
- a ambição,
- o amor à riqueza e ao poder,
- a homofobia
- e a mentalidade do clericalismo “old boys club“.
Eu não tenho muita esperança. O clericalismo está profundamente arraigado entre os padres. O nosso sistema de seminário inculca o clericalismo nos nossos seminaristas que,
- em razão da sua formação especial e separada,
- aprendem que os sacerdotes são destinados mais a julgar e governar do que a curar e a servir.
Por outro lado, a esperança brota eterna, e onde o pecado abunda, a graça abunda ainda mais. Toda a mensagem de Jesus é de esperança de que o pecado e a morte podem ser superados e o surpreendente pode acontecer pelo poder de Deus.
Nos próximos meses, planejo escrever várias colunas sobre o sacerdócio.
Eles são baseadas na minha experiência nas últimas quatro décadas como seminarista e como pároco. Não é um estudo científico. É, antes, uma reflexão pessoal. As pessoas estão livres para concordar ou discordar. Mas acho que eu também deveria estar livre para falar.
Minhas colunas abordarão
- o celibato,
- a homossexualidade,
- o carreirismo,
- a ambição,
- a corrupção da riqueza
- e a misoginia.
Muito do que terei a dizer será negativo.
Contudo, não quero dar a impressão de que minha experiência de sacerdócio é infeliz ou negativa. Eu amo ser padre. Eu amei o meu tempo no seminário. Eu amei o meu tempo na paróquia. O sacerdócio foi a maior bênção da minha vida. A gratidão deverá ser o ponto de partida para minha reflexão sobre o sacerdócio.
O que eu amei em ser padre?
- Primeiro, amei sentir que minha vida é uma vocação e uma missão, não apenas um trabalho.
- Eu também amei as pessoas que conheci ao longo do caminho. Eles lutam para viver a santidade nas circunstâncias mais difíceis – superando vícios, abusos, isolamento, doenças e desespero com o dom da fé.
- Eu amei a comunidade da igreja e os meus companheiros na jornada da fé, incluindo os irmãos sacerdotes e os maravilhosos paroquianos. São Tomás de Aquino disse que o desejo mais profundo da pessoa humana, depois da sobrevivência, é a amizade. O padre tem muitos amigos.
- Eu amei a chance de ajudar pessoas com problemas práticos.
- Eu amei ouvir os seus problemas.
A igreja nos dá-nos os recursos e a permissão para
- pagar o aluguel das pessoas,
- encontrá-las em abrigos,
- construir casas para elas e levar a elas qualquer ajuda de que elas precisem.
Dá-nos tempo para
- receber os imigrantes e ajudar as vítimas de desastres,
- ajudar as pessoas a vencer os vícios, a sair da cadeia ou a encontrar um emprego.
Eu acho tudo isso enormemente gratificante. É o que Jesus queria que todos nós fizéssemos, para cuidarmos do menor dos seus irmãos e irmãs.
Foto: Abulam o sacerdócio – Para salvar a Igreja, os Católicos devem se desligar da hierarquia – e tomar a fé exclusivamente em suas mãos. / Daqui
Ser padre significa que eu posso pensar nas grandes questões.
- Eu posso fazer as perguntas transcendentes sobre bondade, verdade, sofrimento e salvação.
- Os padres podem concentrar-se nas grandes questões humanas, se quiserem.
- A igreja pode não ter todas as respostas, mas nós certamente temos as perguntas certas.
Acima de tudo, eu amei celebrar os sacramentos, especialmente a Eucaristia. Eu acho que celebrei a Missa mais de 11.000 vezes nos últimos 33 anos. Muitas vezes, depois da Comunhão, quando nos sentamos para um minuto de silêncio, penso comigo: “Que privilégio é este!”
O sacerdócio pode ser criativo. No meu tempo como padre, eu participei
- do início de uma pré-escola,
- da abertura de um centro de assistência nas crises de gravidez,
- na construção de uma igreja e de um centro comunitário,
- no desenho de vitrais,
- e na redação de um romance e de uma peça dramática.
Quem mais consegue envolver-se em projetos tão variados?
O sacerdócio não é uma vida chata. Ela levou-me a todos os lugares.
- Visitei paróquias irmãs no México e na Nicarágua.
- Trabalhei em missões no Malawi e na Etiópia.
- Prestei socorro após um furacão no Mississippi e na Carolina do Norte.
- Conduzi peregrinações a Israel, Itália, Turquia, Grécia, Irlanda e França.
- Rezei com pessoas em desertos e no topo de montanhas, em mosteiros e nas ruas da cidade.
Tudo isso na busca de uma experiência da presença de Deus.
O sacerdócio definitivamente precisa de uma reforma radical. Está cercado por escândalos e sobrecarregado por problemas fundamentais.
Mas também é uma vida cheia de bênçãos.
As minhas próximas colunas refletirão sobre o que acho que deve mudar. Mas primeiro quero dizer que foi uma bênção ser um padre católico.
Pe. Peter Daly
é um padre aposentado da Arquidiocese de Washington e advogado. Após 31 anos de serviço paroquial, ele agora trabalha com instituições de caridade católicas.
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