Bolsonaro encontrou-se com Moro pela primeira vez desde que mensagens com investigadores da Lava-Jato foram reveladas, mas não se pronunciou publicamente. Ministro vai ao Senado para a semana.
A acalmia desta terça-feira foi estranha para os padrões da presidência de Bolsonaro. O dia foi de alto nível institucional, sem lugar a frases de efeito, polémicas, ou invectivas contra os adversários políticos. E quase foi fácil esquecer que, dois dias antes, tinham sido reveladas conversas privadas mantidas entre Moro e procuradores do Ministério Público responsáveis pela Operação Lava-Jato, em que o então juiz federal discutia pormenores da investigação, dava sugestões, fazia reprimendas e até se punha ao lado da acusação contra o ex-Presidente Lula da Silva, que acabaria por condenar por corrupção e lavagem de dinheiro.
Bolsonaro a “avaliar”
Confrontados com uma crise explosiva, mesmo para os parâmetros alucinantes do que tem sido a vida política brasileira nos últimos anos, os diversos actores políticos fazem cálculos aos seus próximos passos. O silêncio de Jair Bolsonaro é um reflexo dessa cautela.
“Ele está a avaliar”, disse ao PÚBLICO, por telefone, o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) Jean Tible.
“Bolsonaro é muito sensível às posições nas redes e o resultado de ontem [segunda-feira] é bastante desfavorável”, observa o politólogo.
A divulgação das mensagens surge num momento sensível para o Governo, que enfrenta uma forte contestação nas ruas, baixos índices de popularidade, e uma relação contenciosa com o Congresso.
“A base de apoio do Governo já estava diminuída e esse episódio diminui ainda mais”, afirmou Tible.
- As vozes a pedir a demissão de Moro fizeram ouvir-se logo após as notícias serem conhecidas.
- Na segunda-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil emitiu uma recomendação em que pedia o afastamento de Moro e do procurador Deltan Dallagnol dos seus cargos públicos.
Para Bolsonaro, é possível que exista a tentação de demitir Moro, um ministro cuja popularidade é superior à sua, e que muitos até viam como um forte candidato às eleições presidenciais de 2022. Na mais recente manifestação de apoio ao Governo, Moro foi caracterizado como um “super-herói”. Porém,
- mesmo fragilizado Moro não é um ministro como os outros
- e perdê-lo poderia ter custos demasiado altos para Bolsonaro.
No Governo,
- Moro recebeu o apoio sólido dos líderes da ala militar, incluindo do vice-Presidente Hamilton Mourão, que garantiu que o ministro da Justiça goza “da mais ilibada confiança do Presidente”.
- O general Augusto Heleno, responsável pelo Gabinete de Segurança Institucional, afirmou que o objectivo da divulgação das mensagens é apenas o de “manchar a imagem” do ex-juiz,
- enquanto o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, reafirmou a “total confiança” em Moro.
Dúvidas e bloqueios
Esta terça-feira, o ministro disponibilizou-se a comparecer no dia 19 perante a Comissão de Constituição e Justiça do Senado para esclarecer a divulgação das mensagens trocadas com Dallagnol. A imprensa brasileira dava como certa a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para se debruçar sobre o caso.
No Congresso, os partidos de esquerda garantem que
- vão bloquear todas as iniciativas legislativas provenientes do Governo
- enquanto Moro continuar como ministro.
O chamado “centrão”, composto pelas bancadas mais numerosas e cruciais para qualquer maioria,
- ainda não se pronunciou
- e está à espera dos próximos desenvolvimentos.
Nos próximos tempos, um dos exercícios mentais favoritos em Brasília será seguramente o de tentar adivinhar as futuras revelações divulgadas pelo The Intercept. Jean Tible deixa uma interrogação:
“Algo que vamos ter de compreender é como é que um juiz, que não era importante, do Paraná, conseguiu ter um papel tão relevante.”
João Ruela Ribeiro
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