Presidente da Câmara dos Deputados cobra “liderança” e diz que Jair Bolsonaro precisa ser mais “proativo”
AGÊNCIA ESTADO. 23/03/2019
Foto: Metrópoles
“O governo é um deserto de ideias”, declarou Maia. “Se tem propostas, eu não as conheço. Qual é o projeto do governo Bolsonaro fora a Previdência? Não se sabe”.
Na avaliação do presidente da Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é “uma ilha”dentro do Executivo.
Ao ser lembrado de que Bolsonaro comparou possíveis dificuldades no relacionamento às brigas de um namoro, Maia disse que, se o presidente ficar sem conversar com ele até o fim do mandato, não haverá problema. “Não preciso falar com ele. O problema é que ele tem de conseguir várias namoradas no Congresso. São os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila”, argumentou.
A ENTREVISTA
Por que o sr. decidiu abandonar a articulação da reforma da Previdência?
Apenas entendo que o governo eleito não pode terceirizar sua responsabilidade. O presidente precisa assumir a liderança, ser mais proativo. O discurso dele é: sou contra a reforma, mas fui obrigado a mandá-la ou o Brasil quebra.
Ele dá sinalização de insegurança ao Parlamento. Ele tem que assumir o discurso que faz o ministro Paulo Guedes. Hoje, o governo não tem base. Não sou eu que vou organizar a base. O presidente da Câmara sozinho, em uma matéria como a reforma da Previdência, não tem capacidade de conseguir 308 votos.
Mas o sr. continua à frente da articulação?
Dentro do meu quadrado, sim. Agora, acho que quanto mais eles tentam trazer para mim a responsabilidade do governo, mais está piorando a relação do governo com o Parlamento. O governo precisa vir a público de forma mais objetiva, com mais clareza, com mais energia na votação da reforma.
O que o presidente Bolsonaro precisa fazer?
Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os líderes, com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é pelo toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa.
- Como o presidente vê a política?
- O que é a nova política para ele?
- Ele precisa colocar em prática a nova política.
Tanto é verdade que ele não colocou que tem (apenas) 50 deputados na base. Faço o alerta:
- se o governo não organizar sua base,
- se não construir o diálogo com os deputados,
- vai ser muito difícil aprovar a reforma da Previdência.
O ciclo dos últimos 30 anos acabou e agora se abre um novo ciclo. Ele precisa saber o que colocar no lugar. O Executivo precisa ser um ator ativo nesse processo político.
E não está sendo?
De forma nenhuma.
- Ele está transferindo para a presidência da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele.
- Então, ele fica só com o bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder.
- Se ganhar, ganhei com eles. Se perder, perdi sozinho.
Isso, para uma matéria como a Previdência, é muito grave. Porque não é qualquer votação. É a votação que vai dizer o que o Brasil quer.
- Se é reduzir o número de desempregados, reduzir o número de pobres no Brasil.
- Se o Brasil quer voltar a poder investir em saúde e educação
- ou se o Brasil vai ter hiperinflação.
Não é uma votação qualquer, para você falar “leva que o filho é teu”. Não é assim.
É uma matéria que será um divisor de águas inclusive para o governo Bolsonaro. Então, ele precisa assumir protagonismo. Foi isso o que eu falei. Não vou deixar de defender as coisas sobre as quais tenho convicção porque brigo com A, B ou C. Meu papel institucional não é usar a presidência da Câmara para ameaçar o governo.
Mas o sr. ficou bastante contrariado com os ataques da rede bolsonarista na internet…
Não é que eu fiquei incomodado. O que acontece é que
- o Brasil viveu sua maior recessão no governo Dilma,
- melhorou um pouco no último governo,
- só que a vida das pessoas continua indo muito mal.
Então,
- na hora em que a gente está trabalhando uma matéria tão importante como a Previdência,
- e a rede próxima ao presidente é instrumento de ataque a pessoas que estão ajudando nessa reforma,
- eu posso chegar à conclusão de que, por trás disso, está a vontade do governo de não votar a Previdência.
Não fui só eu que fui criticado. Todo mundo que de alguma forma fez alguma crítica ao governo recebe os maiores “elogios” da rede dos Bolsonaro. Isso é ruim porque você não respeitar e não receber com reflexão uma crítica não é um sinal de espírito democrático correto.
O posicionamento do vereador Carlos Bolsonaro nas redes sociais atrapalha o governo?
O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter. Precisamos que o país volte a ter projeto.
- Qual é o projeto do governo Bolsonaro, fora a Previdência?
- Fora o projeto do ministro (Sérgio) Moro?
- Não se sabe.
- Qual é o projeto de um partido de direita para acabar com a extrema pobreza?
Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora a gente não sabe o que o governo pensa para os jovens e para as crianças de zero a três anos. O governo é um deserto de ideias.
O sr. está dizendo que o governo não tem proposta?
Se tem propostas, eu não as conheço.
Há uma nova versão do ‘nós contra eles’?
Eles construíram nos últimos anos o ‘nós contra eles’. Nós, liberais, contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse.
Para eles, essa disputa
- do mal contra o bem,
- do sim contra o não,
- do quente contra o frio
é o que alimenta a relação com parte da sociedade.
Só que agora eles venceram as eleições. E, em um país democrático,
- não é essa ruptura proposta que vai resolver o problema.
- O Brasil não ganha nada trabalhando nos extremos.
Temos um desgoverno?
As pessoas precisam da reforma da Previdência e, também, que o governo volte a funcionar. Nós temos uma ilha de governo com o Paulo Guedes. Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública. Nós sabemos onde estão os problemas.
- Um governo de direita deveria estar fazendo
- não apenas o enfrentamento nas redes sociais sobre se o comunismo acabou ou não,
mas deveria dizer:
- “No lugar do Minha Casa, Minha Vida,
- para habitação popular nós estamos pensando isso;
- para saneamento, nós estamos pensando aquilo”.
O presidente minimizou a crise dizendo que vai conversar com o sr. e que tudo é como uma briga no namoro. O que achou?
Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não tem problema. Não preciso falar com ele. O problema é que
- ele precisa conseguir várias namoradas no Congresso,
- são os outros 307 votos que ele precisa conseguir.
Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila.
E por que o sr. entrou em um embate com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, por causa do pacote anticrime?
Certamente, conheço a Câmara muito melhor do que o ministro Moro. E sei como eu posso ajudar o projeto sem atrapalhar a Previdência. O que me incomodou? O ministro passou da fronteira. Até acho que em uma palavra ou outra me excedi, mas, na média, coloquei a posição da Câmara. O governo quer fazer a nova política. Nós queremos participar da nova política.
Há quem diga que a Câmara não quer dar protagonismo a Moro porque ele foi juiz da Lava Jato, algoz de políticos…
Ele foi um ótimo juiz, teve um papel fundamental. Foi um juiz que se preparou para investigar corrupção e lavagem de dinheiro. E fez isso muito bem. Agora, o protagonismo é dos deputados. Isso é óbvio. Nós é que vamos votar.
A prisão do ex- presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco serviu para tumultuar ainda mais o ambiente político para a votação da reforma?
Eu não acho. Agora, quando você tem um problema desse,
- ele (Bolsonaro) vincula logo à política,
- ao desgaste do Parlamento.
Isso é ruim. As instituições precisam funcionar. Uns gostam da decisão, outros não. Mas ela precisa ser respeitada e aquele que se sentir prejudicado por uma decisão da Justiça tem o poder de recorrer.
Deputados e senadores do PSL, partido do presidente, comemoraram a prisão e atacaram o MDB. Isso também pode ser um problema?
PSL saiu do zero, foi ao topo muito rápido e acho que ainda falta uma capacidade de articulação interna. Na hora de votar, eles vão ver que precisam do voto do MDB. O problema do ex-presidente é do ex-presidente. É óbvio que contamina o MDB de alguma forma, mas não vamos transformar isso num problema de todos. Vamos deixá-lo responder porque ninguém pode ser pré-condenado. Vamos ter paciência. Não se pode abrir mão de nenhum partido para aprovar a reforma da Previdência. Uma reforma, para ser aprovada, precisa ter uma margem de 350 votos.
E ainda há muita resistência em relação à proposta enviada para os militares…
Os militares têm razão quando falam que foram muitos prejudicados desde os anos 2000. O momento não é simples. Na hora que acalmar essa semana política vai se começar um debate do que é o projeto de lei dos militares. Acho que vai ter mais conflito que a emenda constitucional, mas a gente vai precisar enfrentar porque eles garantem a soberania nacional. Vai ter resistência, mas não podemos jogar no mar a proposta.
Por que o DEM, com três ministérios no governo, até hoje não entrou formalmente na base aliada?
É porque, para o DEM, como para todos os partidos,
- mais do que essa política que o presidente acha que é prioridade, que são as nomeações,
- a prioridade é conhecer qual é o projeto do governo.
E aí você vai projetar 2022 ou 2032, dizendo
“esse projeto para o Brasil vai dar certo, vai reduzir a extrema pobreza de 15 milhões para 5 milhões, o desemprego vai cair de 12 milhões para 5 milhões, a economia vai crescer 5% nos próximos anos”.
Tirando algumas ilhas, como o Paulo Guedes, a Tereza Cristina (ministra da Agricultura, filiada ao DEM), está faltando, de fato, a gente compreender qual é a política.
O deputado Eduardo Bolsonaro disse que em algum momento será necessário o uso da força para tirar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, do poder. O sr. concorda?
Respeito o deputado Eduardo Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores,
- mas acho que a interferência de outros países na Venezuela não é o melhor caminho
- e que essa não é a posição dos ministros militares do governo.
Nós estamos com a estrutura das Forças Armadas desabastecida. Vamos dizer que alguns concordem com isso. O Brasil não tem nem condições de segurar 24 horas de confronto com a Venezuela.
O sr. acha que Bolsonaro deve enquadrar os filhos?
Tenho dificuldade de falar como o presidente deve tratar os filhos dele. Eu sei como tratar os meus.
Agência Estado
Fonte: https://www.metropoles.com/brasil/o-governo-e-um-deserto-de-ideias-afirma-rodrigo-maia
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