A reportagem é de Patrik Camporez, publicada por O Globo, 06-03-2019.
O tema da campanha católica para o período da quaresma é “Fraternidade e Políticas Públicas – Serás libertado pelo direito e pela Justiça”.
O Cardeal Sergio da Rocha, fez um chamado à defesa do
“direito à vida, à terra, à cultura dos povos indígenas”,
destacando que
“situações novas” não irão desviar a Igreja da defesa do “povo mais sofrido”.
– Nós reafirmamos, neste momento, que a igreja continua a insistir que
- a construção da paz aconteça por meio da justiça social,
- do respeito aos direitos do povo mais sofrido.
- Continuamos a defender o direito à vida, à terra, à cultura dos povos indígenas.
- Não é porque temos situações novas que nós vamos deixar de anunciar aquilo que tem sido critério orientador da ação e do pronunciamento da própria conferência episcopal
– disse o presidente da CNBB.
Oficialmente, a CNBB não se manifestou sobre medidas adotadas pelo atual governo, ressaltando que a igreja não se envolve em assuntos partidários. O presidente da CNBB ressaltou, porém, que
- é papel dos católicos, enquanto parcela da população,
- acompanhar a efetivação das políticas públicas
- e avaliar seus resultados.
– A Igreja não pretende oferecer soluções técnicas, nem se deixa guiar por ideologias ou partidos, mas oferecendo o que tem de mais precioso, o evangelho, a fé. Tendo sempre como grande ponto a palavra de Deus.
- A campanha exige sempre muito diálogo,
- ações conjuntas e comunitárias.
- A construção de políticas públicas devem ser tarefa coletiva numa sociedade democrática e participativa.
Além de defesa dos mais pobres, individualmente,
- bispos membros da conferência criticaram outras medidas do governo Bolsonaro,
- como a liberação da posse de armas de fogo.
Eles também prometeram atuar
- contra o que chamaram de “desmonte” do Sistema Único de Saúde (SUS)
- e contra o “retrocesso” nos direitos sociais.
Crítica à liberação de posse de armas
Para o secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Ulrich Steiner, o governo Bolsonaro precisa rever algumas de suas decisões.
– Nós temos preocupação, por exemplo, com a questão de armar a população. Temos preocupação com as comunidades quilombolas, preocupação com as nossas periferias. São todos pensamentos que nos preocupam e fazem com que, quem sabe no futuro, passemos a discordar (oficialmente) de determinadas coisas. Realmente (o governo) precisa repensar algumas questões. Não é armando a sociedade que vamos diminuir a violência – disse.
Ainda segundo Ulrich, a CNBB tem destinado especial atenção à questão da exploração da mineração em áreas indígenas e quilombolas, assunto que mobiliza setores do governo Bolsonaro.
– Temos atenção à tentativa de abrir as terras indígenas para a mineração.
- Isso preocupa a igreja porque nós estamos nessas comunidades.
- Porque não estamos interessados, em primeiro lugar, no mercado, no dinheiro.
- Nós estamos interessados, e assim Jesus nos obriga, a pensar nas pessoas
– disse.
Defesa do SUS
Entre janeiro e agosto, o Sistema Único de Saúde (SUS) entrará no calendário de debates da CNBB, por meio da XVI Conferência Nacional de Saúde. Membro da conferência e da Pastoral da Criança, Vânia Lucia Ferreira Leite disse, durante o evento, que
- o SUS representa uma das maiores conquistas sociais do país.
- Ela ressaltou, no entanto, que o Sistema Único
- encontra-se fragilizado e sem condições de atender as demandas que estão postas.
– As emendas 86 e 95 ameaçam o SUS. Ou seja, autoridades querem promover afragilização do SUS. Isso acontece simultaneamente a um momento de redução da renda, de desemprego e aumento da pobreza e da miséria no país – disse.
Reforma da Previdência
A reforma da Previdência apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro foi outro tema abordado. Alguns integrantes da CNBB classificaram a reforma como um “retrocesso“.
– É um retrocesso gravíssimo de direitos. A gente tem que refletir com muita calma, muita humildade e inteligência, sobre o seguinte: ‘Olha, a reforma da Previdência, se for isso que estão dizendo, a gente não pode aceitar nenhum desses pontos. São direitos adquiridos. Acho que é um recuo grave em relação ao processo civilizatório – destacou Geniberto Paiva Campos, membro da Comissão de Justiça e Paz da CNBB.
Geniberto disse que é papel, também da CNBB, esclarecer melhor à população todos os pontos da reforma.
– Temos que ir às instâncias de poder, como exemplo o legislativo, ou ao próprio judiciário, para dizer ‘olha, pense melhor nessa reforma, pois ela é um retrocesso que vai levar muito tempo para resolver’ -, disse ele, que ainda questiona:
– Quais são as vantagens econômicas das reforma dos direitos trabalhistas, previdenciários? Eu não vejo .
O Cardeal Sérgio da Rocha ressaltou que a igreja já se manifestou, em governos anteriores, a respeito do que ele considera “direitos fundamentais da população”.
– Vale aquilo que nós já temos afirmado anteriormente, isto é, que não se penalize aqueles que já são mais sofridos na própria sociedade. E que não haja perda de direito dos trabalhadores. Neste momento, na elaboração de uma proposta é necessário considerar esses trabalhadores – disse.
Sínodo sobre a Amazônia
Dom Leonardo Ulrich Steiner também se manifestou a respeito de nota divulgada pelo governo, no início de fevereiro, em que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) diz ter
“preocupação (…) com alguns pontos da pauta do Sínodo sobre a Amazôniaque ocorrerá no Vaticano, em outubro deste ano”.
Questionado pelo GLOBO se os bispos veem com preocupação uma possívelinterferência do GSI nos assuntos da igreja, Dom Leonardo disse que ‘não’:
– Não nos preocupa. Nós continuaremos a trabalhar como trabalhamos até agora. Se quiserem nos ouvir, que ouçam. Nós não temos nada a esconder. É feito tudo publicamente, de maneira muito aberta. As discussões internas da CNBB não são questões escondidas . Se quiserem no ouvir, que ouçam, e vão aprender muito com isso também.
A nota do GSI, comandado pelo general Augusto Heleno, afirmava que
“parte dos temas do referido evento tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional. Por isso, reiteramos o entendimento do GSI de que cabe ao Brasil cuidar da Amazônia Brasileira”.
Dodge defende políticas que ‘não discriminem’
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que também esteve no evento, citou a Constituição para defender a importância da Campanha da Fraternidade.
– Essa campanha toca na esperança do povo brasileiro, em sua expectativa para solução para problemas do seu cotidiano. Segundo a Constituição, a prática da fraternidade é um dos objetivos da República, que visa construir uma sociedade livre, justa e solidária – disse.
Durante discurso aos bispos, a procuradora-geral disse que o Ministério Público está de olho em temas do presente, como a violação de direitos de populações pobres.
– As políticas públicas devem zelar por todos, de modo que ninguém esteja fora do seu alcance de proteção. O Ministério Público está incumbindo de zelar para que as políticas públicas não discriminem. São os mais pobres sempre as maiores vítimas do egoismo humano e a fraternidade seu maior antídoto – disse.
Patrik Camporez
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/587222-membros-da-cnbb-criticam-medidas-do-governo-bolsonaro
.
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