Guilherme Guimarães Feliciano – 08/02/2019
Em 3 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro declarou, em entrevista, que o seu governo estaria “estudando” a extinção da Justiça do Trabalho, a ser levada adiante, como pauta política do Poder Executivo, a depender do clima institucional dos próximos meses. Uma declaração polêmica, para dizer o mínimo, que depois foi felizmente desmentida, como noticiou o presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
Pode-se, afinal, antecipar como seria um Brasil sem a Justiça do Trabalho?
Os números e as circunstâncias podem talvez nos dar algumas pistas.
A Justiça do Trabalho não é uma “jaboticaba brasileira”, como dizem os incautos e os elitistas. Jurisdição trabalhista há em todo o mundo. E mesmo o modelo brasileiro, de uma autonomia institucional construída sobre o tripé
- da diferenciação financeiro-estrutural (orçamento e pessoal próprios),
- da diferenciação funcional (corpo próprio de magistrados organizados em carreira autônoma)
- e da diferenciação instrumental (litígios regidos por regras específicas de procedimento), e
encontra eco em modelos adotados por países do dito “primeiro mundo”, como
- na Alemanha,
- na Dinamarca,
- na França (primeiro grau)
- e na Grã-Bretanha.
Na América Latina, o Chile a extinguiu, sob a égide de um regime liberal-ditatorial, e teve de recriá-la, anos depois.
E seria realmente
- mais simples e prático “distribuir” aos trabalhadores queixosos os valores que reclamam,
- economizando mais da metade do orçamento que se tem dedicado à Justiça do Trabalho,
- como se alardeia por aí?
Essa é a maior das balelas.
Observe-se, desde logo, que a Justiça do Trabalho não é uma empresa estatal.
Não precisa – e a rigor nem deve –“dar lucros” ou gerar excedentes financeiros para a União. É que os serviços de justiça prestam-se basicamente àqueles papéis que o grande Candido Dinamarco apontava como sendo os escopos do processo judicial:
- pacificação com justiça,
- decisão com autoridade pública,
- atuação concreta da lei (i.e., do Direito objetivo).
Essa é a sua missão.
Foto TST / Rede Brasil Atual
Logo, o que a Justiça do Trabalho “gera” — ou deve gerar — é,
- a uma, pacificação social e consciência cidadã (inclusive para patrões que sonegam direitos trabalhistas, mas também para empregados que se prestam a aventuras jurídicas);
- a duas, a afirmação do Estado de Direito, concretizando as liberdades e os direitos sociais;
- e, a três, a atuação do direito substantivo, sinalizando para a segurança jurídica (i.e., a interpretação “estabilizada” da lei trabalhista, que é produto da ciência e do tempo).
Nada disso é mensurável em reais. A rigor, valendo tal critério de “custo/benefício”, caberia extinguir
- não apenas a Justiça do Trabalho, mas boa parte do Poder Judiciário brasileiro.
- Qual o “lucro” da Justiça Eleitoral ou das unidades criminais?
- Qual o “lucro” gerado pelo Parlamento ou pelas Forças Armadas? E, no entanto, são indispensáveis.
Vítimas do Trabalho Escravo são resgatadas no Pará / Leonardo Sakamoto – Uol
Logo,
- um Brasil sem Justiça do Trabalho
- seria um Brasil com conflitos coletivos cada vez mais intensos
- batendo à porta dos tribunais comuns, já assoberbados com outros temas,
- e sem as políticas públicas hoje coordenadas nacionalmente
para, p. ex., prevenir – especialmente pela via da negociação – a paralisação de categorias profissionais de expressão nacional, como
- a dos aeronautas,
- a dos petroleiros
- e a dos correios e telégrafos.
O mesmo se diga, na devida projeção e proporção, quanto às categorias de dimensão regional ou local, distribuídas pelas vinte e quatro regiões do país.
Em tempos nos quais
- a grande política dirige esforços e discursos para a conciliação nacional e para a contenção de gastos,
- a Justiça do Trabalho tem relevante papel a cumprir.
Seu abalo, ao revés, sinaliza o oposto: tensão, ruptura e dispêndio.
Não é, a bem dizer, uma escolha de Sofia. Chega a ser intuitivo: onde se busca “ordem” – ordem social, diga-se bem (o que significa, em acepção constitucional, ordem com justiça) -, não se alimenta a desordem.
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