Nicolas Senèze, em Roma, em 14/01/2019
Tradução: Orlando Almeida
Foto: O papa Francisco em audiência privada com quatro representantes da Conferência Episcopal Americana, em 13/09/2018 / VaticanMedia-Foto / CPP / CIRIC
Todos os presidentes das conferências episcopais do mundo são convocados a Roma, de 21 a 24 de fevereiro, para refletir junto com o papa e os responsáveis da Cúria, sobre a prevenção dos abusos sobre os menores e os adultos vulneráveis.
►Por que esta reunião de cúpula?
Em 12 de setembro de 2018, a Santa Sé anunciou que, por sugestão do Conselho dos Cardeais, o papa tinha decidido realizar uma reunião, de 21 a 24 de fevereiro de 2019, em Roma, “para falar sobre a prevenção de abusos sobre os menores e sobre os adultos vulneráveis”.
Este anúncio veio após a revelação, no verão, de novos casos de ocultação de abusos sexuais sobre menores, por parte do clero, especialmente nos Estados Unidos.
Depois seguiram-se as alegações de um ex-núncio nos Estados Unidos que acusava o papa Francisco e todas quantas foram as autoridades do Vaticano, desde o início dos anos 2000, de terem acobertado e mascarado as ações do cardeal Theodore McCarrick, ele próprio acusado de abusos sobre menores e pressionado pelo Papa a demitir-se do Colégio dos Cardeais .
Visto de modo mais amplo, o anúncio deste encontro – “sem precedentes”, como recorda o Vaticano – ocorre ao final de um ano difícil marcado pela revelação de casos de abuso sexual um pouco pelo mundo todo. No que se refere ao Chile, o papa já tinha sido obrigado a convocar a Roma todos os bispos chilenos, que, após três dias de reflexão, lhe apresentaram as suas demissões em bloco.
Em setembro, logo antes da reunião do “C9”, a Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores tinha insistido sobre o fato de que a crise de abusos sexuais deve ser a “prioridade” da Igreja.
“Se a Igreja se revelar incapaz de responder de todo o coração a esta questão e de fazer dela uma prioridade, todas as nossas outras atividades de evangelização, de obras de caridade e de educação serão afetadas”
– tinha alertado o seu presidente, o cardeal Sean O’Malley, arcebispo de Boston (EUA), em entrevista ao VaticanNews.
► Quem participará?
A reunião, da qual o Papa participará pessoalmente, é destinada
- em primeiro lugar aos presidentes de todas as Conferências Episcopais (uma centena no mundo)
- assim como aos Primazes das Igrejas Orientais Católicas unidas a Roma.
O Vaticano também indicou a participação
- dos chefes da Secretaria de Estado,
- dos prefeitos das congregações da Cúria interessadas (Doutrina da Fé, para as Igrejas Orientais, dos Bispos, da Evangelização dos Povos, do clero, da vida consagrada)
- e do dicastério para o leigos, a família e a vida.
- Representantes da União dos Superiores Gerais e da União Internacional das Superioras Gerais também são convidados.
Como salienta o Vaticano, esta reunião
- “diz respeito principalmente aos bispos”, porque “eles são em grande parte responsáveis por este grave problema”,
- mas ela também se beneficiará com a contribuição “de homens e mulheres leigos especialistas no campo dos maus-tratos”,
- bem como dos membros da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores, para um intercâmbio “o mais livre e frutífero possível”.
Vítimas deveriam igualmente ser convidadas.
► Quem a organiza?
O Papa confiou a organização desta reunião a uma comissão especial composta
- pelos cardeais Blase Cupich, Arcebispo de Chicago (EUA),
- e Oswald Gracias, Arcebispo de Bombaim (Índia),
- por Mons. Charles Scicluna, Arcebispo de Malta e Secretário Adjunto da Congregação para a doutrina da fé,
- e pelo jesuíta Hans Zollner, presidente do centro para a proteção dos menores da Pontifícia Universidade Gregoriana e membro da Pontifícia Comissão para a proteção dos menores, encarregado da coordenação.
O comitê pôs-se rapidamente a trabalhar, solicitando,
- além da colaboração da Comissão para a proteção dos menores,
- a das duas subsecretárias do Dicastério para os leigos, a família e a vida, Gabriella Gambino (seção para a vida)
- e Linda Ghisoni (seção para os leigos).
Já em 18 de dezembro, o comité enviou uma carta aos presidentes das Conferências Episcopais, assim como um questionário que deverá permitir a eles
- “expressar a sua opinião de forma ao mesmo tempo construtiva e crítica”
- e, deste modo, ajudar o conjunto dos participantes
- a ter “uma visão global da situação na Igreja”
- e a “identificar onde deve ser dada uma ajuda às reformas, agora e para o futuro”.
“Uma das tarefas do comité será também a de preparar uma documentação básica para os participantes, de modo que a reunião de fevereiro possa inserir-se no caminho percorrido até agora” – disse o padre Zollner ao VaticanNews.
► Qual é o status dessa reunião?
Numa entrevista ao VaticanNews, o padre Zollner descreveu a reunião de fevereiro como
“um intercâmbio que deverá ser o mais livre e frutífero possível, e que deverá ser ao mesmo tempo um momento de oração e de reflexão, de análise e de proposta”.
“Os bispos ouvirão as vítimas, falarão com especialistas, conversarão uns com os outros sobre os temas que lhes serão apresentados” – acrescentou Mons. Scicluna.
O procedimento e as modalidades do encontro serão semelhantes aos de um Sínodo:
- “haverá sessões plenárias, grupos de trabalho linguísticos e relatórios;
- haverá orações em grupos, oradores.
- Será uma mistura de informação, de formação, de discussão” – esclarece ele.
Diferentemente de um Sínodo, todavia, não terá, enquanto tal, caráter consultivo ou decisório.
Questionado pelo VaticanNews, Mons. Scicluna reconheceu que
- as questões mais práticas, como a modificação do direito canônico,
- não deveriam ser abordadas durante o encontro.
Mas ele também não excluiu a sua evolução a mais ou menos curto prazo:
- “o direito canônico segue sempre a realidade e deverá mudar em resposta aos novos problemas e às novas prioridades da Igreja” – afirmou.
- Ele prevê, por exemplo, “um papel mais forte confiado aos bispos metropolitanos”, mas também “um papel maior para as vítimas nos processos canônicos”.
Por fim, o encontro deveria ter também uma forte dimensão espiritual, quase como um retiro. Além disso, segundo o arcebispo de Malta,
- está prevista uma liturgia penitencial, a pedido do papa Francisco,
- e as vítimas serão parte integrante dela.
► A que pode ela levar?
Mons. Scicluna espera sobretudo que a reunião vá permitir aos bispos, aos superiores religiosos e aos responsáveis pela Cúria
- avaliar a “gravidade da situação”
- e refletir juntos sobre soluções.
Foi por isso que o comitê organizador “exortou” cada um dos presidentes de conferência episcopal
“a contatar as vítimas de abusos sexuais cometidos pelo clero em seus respectivos países e a visitá-las antes da reunião de Roma, para ouvir da sua boca os sofrimentos que elas suportaram”.
Trata-se de
- “uma maneira prática de garantir que os sobreviventes dos abusos cometidos por padres estejam no topo das prioridades”
- a fim de encontrar os meios para enfrentar a crise dos abusos “na solidariedade, na humildade e na penitência”.
O curso a seguir é claro: “responsabilidade”, necessidade “prestar contas” e “transparência”.
- “Na falta de uma resposta global e comum,
- não só não conseguiremos levar a cura às vítimas,
- mas a credibilidade da Igreja em sua missão de seguir a Cristo estará em risco em todo o mundo”
– advertem ainda os organizadores.
No primeiro editorial que assinou para VaticanNews Andrea Tornielli, o seu novo diretor editorial, também destacou este ponto na carta que o Papa Francisco enviou recentemente aos bispos americanos, na qual ele frisa que
“a credibilidade Igreja foi fortemente posta em causa e foi enfraquecida por estes pecados e por estes crimes, mas especialmente pela vontade de os dissimular e esconder”.
O papa alertou especialmente contra o fato de
- se confiar demais em ações que parecem “úteis, boas e necessárias”, e até “justas”,
- mas que não têm “o sabor do Evangelho”
- se elas tendem a reduzir a resposta ao mal a um simples problema de organização.
Na mesma ótica, o objetivo da reunião de fevereiro é portanto
- menos o de estabelecer boas práticas de tipo gerencial
- do que o de levar a Igreja a uma mudança de estado de espírito sobre a questão.
Como explica o papa na sua Carta ao Povo de Deus , trata-se de
“dar vida a uma cultura capaz não só de assegurar que tais situações não voltem a acontecer, mas também que elas não possam encontrar terrenos propícios para serem dissimuladas e perpetuadas”.
Como sublinhou o cardeal Cupich em declarações ao site americano Crux,
- se “uma só reunião não vai resolver todos os problemas”,
- a de fevereiro deve marcar o “início de um processo global, de uma reforma global”.
Nicolas Senèze, em Roma
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