Francisco respondeu: “A sexualidade, o sexo, é um presente de Deus. Não é de modo nenhum um tabu. É um dom de Deus, um presente que o Senhor nos dá. Tem dois objetivos: amar-se e gerar vida. É uma paixão, e um amor apaixonado. O verdadeiro amor é apaixonado. “
Na sua obsessão pelo sexo, a Igreja não pode reclamar-se de Jesus. De facto, segundo os Evangelhos,
- Jesus raramente falou de sexo
- e, quando o fez, foi provocado por perguntas que lhe fizeram.
E, aí, apelou para
- o amor,
- a fidelidade no casal
- e a igualdade do homem e da mulher.
Apaixonado pela felicidade das pessoas,
- participou em festas de casamento
- e até fez com que aparecesse o vinho que faltava: 600 litros!
Ele próprio celibatário,
- não impôs o celibato: São Pedro, por exemplo, era casado,
- e o celibato obrigatório para os padres na Igreja do Ocidente só começou a impor-se no século XI, com o Papa Gregório VII.
* O que envenenou a relação da Igreja com a sexualidade
- foi, essencialmente, a influência perniciosa da gnose,
- que, contra o cristianismo autêntico,
- desprezava a matéria e o corpo.
* Depois, Santo Agostinho, a partir de uma experiência pessoal negativa da sexualidade e de uma exegese errada – ele seguiu a tradução latina de um passo célebre da Carta de São Paulo aos Romanos, capítulo 5, versículo 12: Adão, “no qual” todos pecaram, quando o original grego diz “porque” todos pecaram -, formulou, como solução para o problema do mal, a doutrina do pecado original.
E a questão é que esse pecado foi entendido
- não como o primeiro de todos os pecados – todos os seres humanos são pecadores -,
- mas como um pecado herdado de Adão
- e transmitido por geração, portanto, no ato sexual.
* Finalmente, com a reforma gregoriana, foi-se erguendo a tríplice coluna sobre que assenta, segundo Hans Küng, o paradigma católico-romano:
- papismo (poder centrado no Papa),
- celibatismo (celibato obrigatório por lei para os padres),
- marianismo (devoção a Nossa Senhora como compensação).
Como se determinou que
- tudo o que se refere ao sexo é por princípio matéria grave
- e como, por outro lado, não há ninguém que não tenha pelo menos pensamentos relacionados com o sexo
- e só o sacerdote ou o bispo podem perdoar os pecados,
a confissão acabou por tornar-se
- não um espaço de reconciliação e paz,
- mas tantas vezes de opressão,
- e raramente uma instituição acabou por deter tanto poder sobre as consciências,
- criando infindos complexos e fardos de culpabilização.
Quando se lê os manuais dos confessores e todos aqueles interrogatórios inquisitoriais, quase reduzidos ao campo sexual, percebe-se que muitos tenham começado a abandonar a Igreja por causa da confissão, que consideravam ofensiva dos direitos humanos.
- No universo sexual, que, como escreve Miguel Oliveira da Silva, continua a ser “um imenso, incómodo e multifacetado mistério”, vale tudo?
- É claro que não, reconhecendo o catedrático de Ética Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa que
- “a sociedade ocidental vive um profundo e grave vazio ético em matéria de sexualidade, que a múltipla oferta de uma sexualidade por vezes devassada sem pudor na praça pública e passível de excessos não consegue minimamente preencher – ao contrário”.
Chegou-se à degradação boçal da prostituição nos e dos media, digo eu.
- Uma sexualidade degradada e desumanizante,
- na busca exclusiva do prazer venéreo
- e utilizando o outro como simples meio!
De qualquer forma, a Igreja precisa de reconciliar-se
- com o mundo e a ciência,
- o corpo e a sexualidade.
Mas enquanto se mantiver a lei do celibato obrigatório não estará todo o discurso eclesiástico sobre o tema debaixo do fogo da suspeita?
O Cardeal Carlo Martini, exegeta bíblico eminente e antigo arcebispo de Milão,
- interrogou precisamente esta lei do celibato obrigatório
- e, depois de considerar os estragos da encíclica Humanae Vitae
- e que “a solidão da decisão” por parte do Papa Paulo VI, depois de ter retirado a discussão do tema aos padres conciliares,
- não foi certamente “um pressuposto favorável” para tratar a questão da sexualidade e da família,
reconheceu que os anos de distância da sua publicação “nos poderiam permitir um novo olhar”.
“É um sinal de grandeza e auto-consciência alguém confessar os seus erros e visão limitada.”
Assim, Martini pensava que um novo Papa
“talvez não retire a encíclica, mas pode escrever uma nova e ir mais longe. É legítimo o desejo de que o Magistério diga algo de positivo sobre o tema da sexualidade.”
Muitos esperam uma palavra de orientação sobre o corpo, o casamento e a família.
“Procuramos um caminho para, de modo fiável, falar sobre
- o casamento,
- o controlo da natalidade,
- a procriação medicamente assistida,
- a contraceção.”
Sobre estes e outros temas é o que tem procurado fazer o Papa Francisco.
Leia-se, por exemplo, a exortação Amoris Laetitia, “A Alegria do Amor”,precisamente sobre
- uma nova visão da família e da sexualidade,
- que, para ser verdadeiramente humana,
- tem de envolver o biológico, o afetivo, a ternura, o amor, o espiritual.
E chamo a atenção para a elegância com que tratou o tema num diálogo recente com um grupo de jovens da Diocese de Grenoble.
Duas jovens interrogaram-no precisamente sobre a sexualidade, perguntando concretamente
- se o facto de pertencerem à primeira geração que ousa falar abertamente destes temas
- não explica as incompreensões e o silêncio embaraçado dos mais velhos.
Francisco respondeu:
- “A sexualidade, o sexo, é um presente de Deus. Não é de modo nenhum um tabu. É um dom de Deus, um presente que o Senhor nos dá.
- Tem dois objetivos: amar-se e gerar vida.
- É uma paixão, e um amor apaixonado. O verdadeiro amor é apaixonado.
- O amor entre um homem e uma mulher, quando é apaixonado, leva-te a dar a vida para sempre e a dá-la com o corpo e a alma”,
declarou o Papa com força.
“Quando Deus criou o homem e a mulher, a Bíblia diz que os dois são a imagem e a semelhança de Deus. Os dois, não apenas Adão ou só Eva, mas os dois em conjunto”, insistiu.
“E Jesus vai mais além e diz:
- o homem e também a mulher deixarão o seu pai e a sua mãe e unir-se-ão e serão… uma só pessoa?… uma só identidade?… Uma só fé no casamento?… Uma só carne!
- Esta é a grandeza da sexualidade. E é assim que se deve falar da sexualidade. E deve-se viver a sexualidade assim, nesta dimensão do amor entre homem e mulher por toda a vida.
- É verdade que as nossas fraquezas, as nossas quedas espirituais, nos levam a usar a sexualidade fora deste caminho tão belo do amor entre o homem e a mulher.
Mas são quedas, como todos os pecados. A mentira, a cólera são pecados capitais, mas isso não é a sexualidade do amor: é a sexualidade coisificada, desligada do amor e utilizada para o divertimento”, explicou.
Francisco sublinhou ainda o paradoxo que consiste no facto de
- a mais bela dimensão da criação divina
- ser também “a mais atacada pela mundanidade, pelo espírito do mal”.
A pornografia, por exemplo, depende de uma “indústria da sexualidade desligada do amor”.
“É uma degeneração em relação ao nível em que Deus a colocou, e faz-se muito dinheiro com este comércio.
- Mas a sexualidade é grande: cultivai a vossa dimensão sexual, a vossa identidade sexual.
- Cultivai-a bem. E preparai-a para o amor, para inseri-la neste amor que vos acompanhará durante toda a vida”.
Por outro lado, mesmo se o Documento final do recente Sínodo dos bispos sobre os jovens e com os jovens ficou aquém das expectativas, no “Instrumentum laboris”, texto de preparação e de base para o debate, reconhecia-se que “muitos jovens católicos não seguem as indicações da moral sexual da Igreja”, e que há “temas controversos”como
- os anticonceptivos,
- a homossexualidade,
- o aborto,
- o casamento
- ou a questão de género.
O texto, apresentado pelo cardeal Baldisseri, aceitava que é preciso debater “abertamente e sem preconceitos”esses e outros temas,
- do desemprego às novas tecnologias,
- passando pelos desafios das migrações,
- o trabalho precário,
- as drogas,
- o papel da mulher.
Entretanto, nesse Sínodo, houve vozes como a do bispo auxiliar de Lyon, Emmanuel Gobilliard, que abriu a porta do Sínodo aos LGBT:
“Quem sou eu para excluí-los?”
Francisco disse sempre que
- o problema não é a homossexualidade,
- mas “o lóbi gay”, como outros lóbis.
Mais recentemente, o cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique e Presidente da Conferência Episcopal Alemã, reclamou uma revisão do celibato obrigatório:
“Estou convencido de que o grande impulso de renovação do Vaticano II não está a avançar nem a ser entendido na sua profundidade.”
Entretanto, a Igreja carrega com essa chaga que é a pedofilia por parte do clero. O Papa Francisco está disposto a usar mão firme nesse combate.
No discurso natalício à Cúria, depois de ter reafirmado que mesmo um só caso de abuso seria “uma monstruosidade por si mesmo”, declarou:
- “Aos que abusam dos menores quero dizer-lhes: convertei-vos e entregai-vos à justiça humana, e preparai-vos para a justiça divina”.
- Agradeceu aos jornalistas “que procuraram desmascarar estes lobos e dar voz às vítimas”.
- A Igreja levará à justiça “seja quem for”que tenha cometido abusos.
E convocou os Presidentes das Conferências Episcopais do mundo inteiro para uma reunião antiabusos, que enfrente esta chaga dolorosíssima. Como disse o diretor editorial do Dicastério (Ministério) para a Comunicação do Vaticano, Andrea Tornelli:
“O objectivo é que todos tenham absolutamente claro o que se deve fazer (e não fazer) frente aos abusos”. Trata-se de
- “transformar os erros cometidos em oportunidades para erradicar” a praga dos abusos
- “não só do corpo da Igreja, mas também da sociedade”.
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Fonte: https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/a-igreja-e-o-sexo-10431192.html
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