Wagner Francesco – 11/01/2018 –
Foto: abstrato-azul-vermelho / pixabay – IHU
Sendo a religião, como acertadamente Marx diz, o suspiro da criatura oprimida, é preciso escutar este suspiro, entender que suspiro é este e de que modo a religião atua como mecanismo contra a opressão.
A religião não é opressora, mas pode atuar como mecanismo de opressão, bem como de libertação.
O artigo é de Wagner Francesco, teólogo e advogado, publicado por CartaCapital, 10-01-2019.
Eis o artigo.
Nestas eleições vimos de modo escancarado cristãos defendendo um candidato conhecido mundialmente por seus comentários
- racistas,
- machistas,
- homofóbicos,
- a favor da da tortura.
A pergunta é: o que deu errado entre a esquerda e o cristianismo no Brasil?
São vários pontos de partida, mas em minha visão, começou a dar errado quando nós da esquerda lemos e internalizamos apenas a última linha de uma das frases mais conhecidas do Karl Marx. Segundo ele, no “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, (pg. 151 da edição da Boitempo):
A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo.
Ora, pensamos como socialistas:
“se a religião é o ópio do povo então ela é inútil como instrumento de mudança de sociedade. Se ela é o ópio do povo, não tem nada a nos oferecer”.
E tal como Marx pensava no século 19,
- pensamos ainda hoje
- que a religião é baluarte de conservadorismo e obscurantismo.
E pensamos assim no Brasil, um dos países com mais cristãos no mundo.
Então desejamos extirpar a religião de nosso meio e mudar a sociedade por meio da política – inclusive usando a arte como protesto. E não nos demos conta do que disse Marx:
“a religião é o protesto contra a miséria real”.
Há a miséria real e a religião é um protesto contra ela – assim como a arte. Aliás, religião e arte fazem parte da mesma dimensão humana.
O fato é que
- considerar o cristianismo apenas como ópio e morada do conservadorismo e do obscurantismo
- limita demais a grandiosidade desta religião
- e não faz jus ao projeto de sociedade defendido por Jesus Cristo
– que era, antes de tudo,
- alguém comprometido com a mudança do mundo
- e com o bem estar dos oprimidos pelo império Romano.
O cristianismo pode ser libertador, como bem demonstra a teologia da libertação na América Latina. Inclusive há um belíssimo livro escrito pelo teólogo Leonardo Boff cujo título é “Jesus Cristo Libertador: ensaio de Cristologia crítica para o nosso tempo”.
É neste livro que Boff escreve (p.15):
- Viver a fé em Jesus Cristo libertador
- supõe um compromisso com a libertação histórica dos oprimidos. […]
- Venerar e anunciar Jesus Cristo libertador
- implica pensar e viver a fé cristológica a partir de um contexto sócio-histórico de dominação e opressão.
- Trata-se, pois, de uma fé que visa captar a relevância de temas que implicam uma transformação estrutural de uma dada situação sócio-histórica.
Pois bem.
- Sendo a religião, como acertadamente Marx diz,
- o suspiro da criatura oprimida,
- é preciso escutar este suspiro,
- entender que suspiro é este
- e de que modo a religião atua como mecanismo contra a opressão.
A religião
- não é opressora,
- mas pode atuar como mecanismo de opressão,
- bem como de libertação.
O que foi feito ao longo do tempo? Descaso!
- Deixamos Jesus ser pregado por Malafaias e Damares. (fotos ao lado: O Fuxico Gospel – Reprodução
- Ao invés de Jesus ser anunciado pelo povo, foi pelos imperadores –
- e nunca na história do cristianismo o Jesus anunciado pelos poderosos prestou pra alguma coisa.
Desistiu-se do discurso para então fiéis verem Jesus em pés de goiabas e não no mendigo estendido no chão.
E a culpa é de quem? Da esquerda como um todo.
- Minha também que, como teólogo,
- muitas vezes negligenciei a luta política
- em aliança com o discurso religioso, anunciante das Boas Novas de Jesus que dizia:
- Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28).
O estado é laico, mas as pessoas não.
- A maioria das pessoas são religiosas
- e precisamos respeitá-las;
- e muito mais importante: compreendê-las.
Teologia não é o estudo de Deus, pois Deus não é objeto para ser estudado.
- Teologia é o estudo da compreensão humana sobre Deus
- e devemos estudar esta relação do humano com o divino.
E aí é preocupante
- quando vemos gente da esquerda
- falando de religião como se ela fosse infantilidade humana
- – reproduzindo algumas bobagens que Freud falou sobre o assunto.
Dos inúmeros débitos que a esquerda precisa pagar para reconquistar espaço no Brasil, se aproximar de Jesus talvez seja um dos mais urgentes. E não estou falando em se tornar cristão não, porque eu também não sou.
- Eu estou falando é de prestar atenção ao que ele disse
- e escutar mais o que os que querem andar com ele têm a dizer.
É assim ou vamos nos afundar no conservadorismo e obscurantismo: por culpa nossa que, de modo irresponsável, só temos olhos pra uma minúscula frase, fim de frase, do que o Karl Marx falou criticando Hegel.
Teólogo e advogado
Fontes: http://www.ihu.unisinos.br/images/ihu/banco/abstrato/abstrato_azul_vermelho_foto_pixabay.jpg
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