O Presidente dos EUA, Donald Trump, disse esta quinta-feira que o anúncio da retirada total das tropas norte-americanas da Síria “não é uma surpresa”, e justificou a sua decisão com a vontade de que o país deixe de ser “o polícia do Médio Oriente”.
Mas o Presidente Trump deixou claro esta quinta-feira, numa série de mensagens partilhadas no Twitter, que a sua prioridade é fazer regressar a casa os cerca de dois mil norte-americanos que estão no terreno na Síria – uma promessa feita ainda durante a campanha eleitoral, em 2016, e que foi repetida em outras ocasiões desde então.
“Os EUA querem ser o polícia do Médio Oriente, sem ganhar NADA e a desperdiçar vidas preciosas e triliões de dólares para proteger outros que, na maioria dos casos, não apreciam o que estamos a fazer? Queremos ficar lá para sempre? Chegou a hora de outros lutarem”, disse ainda o Presidente dos EUA.
Trump, Assad e Putin: os principais implicados no conflito sírio / Gazeta do Povo
Fogo amigo
Só que essa postura é muito contestada por vários conselheiros do Presidente – segundo os media norte-americanos, há semanas que muitos deles tentavam convencer o Presidente a voltar atrás com a sua decisão.
O Governo britânico também contestou a declaração do Presidente Trump sobre a “derrota” do Daesh na Síria: “Eu discordo totalmente. [A ameaça do Daesh] transformou-se em outras formas de extremismo e a ameaça está bem viva”, disse o ministro Tobias Ellwood, um dos responsáveis pela Defesa no Governo do Reino Unido.
Como todos os aliados dos EUA, o Reino Unido reconhece que “a coligação e os seus parceiros na Síria e no Iraque recapturaram a grande maioria do território do Daesh e fizeram importantes avanços nos últimos dias na última área do Leste da Síria ocupada pelo Daesh”, disse um porta-voz do Governo britânico citado pelo jornal Guardian.
“Mas há muito por fazer, e não devemos perder de vista a ameaça que eles representam. Mesmo sem território, o Daesh vai continuar a ser uma ameaça.”
Receios curdos
A mesma ideia foi transmitida pela coligação liderada pelas milícias curdas que combate na Síria com o apoio dos EUA.
As Forças Democráticas da Síria disseram que a retirada das tropas norte-americanas vai permitir que o Daesh volte a ganhar terreno. Para a aliança de forças curdas e árabes, a retirada total dos EUA tem “implicações perigosas”para a estabilidade na região e “cria um vácuo político e militar que deixa as pessoas nas garras de grupos hostis”.
Esta aliança apoiada pelos EUA é considerada a principal responsável no terreno pela derrota militar do Daesh. A esmagadora maioria dos cerca de dois mil norte-americanos na Síria estão posicionados na região curda no Norte da Síria.
O apoio norte-americano a estas forças curdas prejudicou as relações entre os EUA e a Turquia, que as considera como organizações terroristas. A notícia de que pode estar em preparação uma ofensiva turca contra as milícias do YPG – a principal força da coligação – é apontada como uma das razões para a retirada anunciada por Donald Trump.
“Donald tem razão”
Mas a decisão do Presidente Trump também foi recebida com aplausos, dentro e fora dos EUA. Um dos elogios veio do senador Rand Paul, conhecido por defender o fim da política de intervenção externa norte-americana.“Hoje estou orgulhoso do Presidente, ao ouvi-lo declarar vitória na Síria”, disse Paul. “Os pessimistas em Washington vão estar contra ele. Mas se perguntarem ao povo americano, foi por isto que o Presidente Trump ganhou as eleições”, disse o senador do Partido Republicano na Fox News.
Mas a declaração que mais se destacou entre o grupo de apoiantes da decisão do Presidente norte-americano foi a do Presidente russo, Vladimir Putin.
Durante a sua tradicional conferência de imprensa de fim de ano, que decorreu esta quinta-feira, Putin disse que o Presidente Trump “tomou a decisão certa”, explicando depois que concorda com ele porque os EUA estão na Síria “ilegalmente”, ao contrário da Rússia, que foi “convidada” pelo Presidente Bashar al-Assad.
Quanto à afirmação de que o Daesh foi derrotado no terreno, o Presidente russo disse estar em sintonia com o Presidente norte-americano: “O Donald tem razão, e eu concordo com ele.”
Apesar de ser uma promessa de campanha eleitoral, repetida por Trump nos últimos três anos,
- o anúncio da retirada total das tropas norte-americanas da Síria
- apanhou muitos aliados dos EUA de surpresa
- porque os sinais enviados pela Casa Branca no último ano foram muitas vezes contraditórios.
No início de Abril deste ano, o Presidente Trump reafirmou que queria retirar as tropas da Síria: “Quero sair de lá. Quero trazer as nossas tropas para casa.”
Poucos dias depois, a 14 de Abril, a Casa Branca ordenou um ataque contra instalações militares sírias, em resposta a um ataque químico contra civis em Douma, no dia 7 de Abril.
Depois disso, a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Nikki Haley, tentou tranquilizar os seus aliados, dizendo que as tropas norte-americanas iriam ficar na Síria até serem cumpridos três objectivos:
- “Garantir que não sejam usadas armas químicas”;
- “derrotar o ISIS [Daesh]”;
- e “vigiar os passos do Irão” na guerra da Síria.
A partir de Setembro, a ideia de uma retirada total da Síria a curto prazo parecia ter sido posta de lado.
Nesse mês, vários representantes da Casa Branca e do Pentágono começaram a dizer que os EUA ficariam na Síria por tempo indeterminado. Pelo menos até que houvesse uma solução política para o futuro do país e, acima de tudo, até que o Irão – que está no terreno a apoiar as forças de Bashar al-Assad – se visse forçado a sair da Síria, vergado pelas sanções aplicadas pela Casa Branca.
Por essa altura, instalou-se a ideia de que a política norte-americana para a Síria tinha mudado, tendo em vista uma política mais abrangente de contenção do Irão – uma ideia que veio a revelar-se errada com o anúncio da retirada total da Síria, anunciada esta semana.
Alexandre Martins
Leave a Reply