MENSAGEM DO SANTO PADRE
FRANCISCO
PARA A CELEBRAÇÃO DO
DIA MUNDIAL DA PAZ
1º DE JANEIRO DE 2019
«A BOA POLÍTICA
ESTÁ AO SERVIÇO DA PAZ»
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«A paz esteja nesta casa!»
Jesus, ao enviar em missão os seus discípulos, disse-lhes: «Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: “A paz esteja nesta casa!” E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós» (Lc 10, 5-6).
Oferecer a paz está no coração da missão dos discípulos de Cristo. E esta oferta é feita a todos os homens e mulheres que, no meio dos dramas e violências da história humana, esperam na paz.[1] A «casa», de que fala Jesus, é cada família, cada comunidade, cada país, cada continente, na sua singularidade e história; antes de mais nada, é cada pessoa, sem distinção nem discriminação alguma. E é também a nossa «casa comum»: o planeta onde Deus nos colocou a morar e do qual somos chamados a cuidar com solicitude.
Eis, pois, os meus votos no início do novo ano: «A paz esteja nesta casa!»
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O desafio da boa política
A paz parece-se com a esperança de que fala o poeta Carlos Péguy;[2]
- é como uma flor frágil,
- que procura desabrochar por entre as pedras da violência.
Como sabemos, a busca do poder a todo o custo leva a abusos e injustiças. A política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem, mas,
- quando aqueles que a exercem
- não a vivem como serviço à coletividade humana,
- pode tornar-se instrumento de opressão, marginalização e até destruição.
«Se alguém quiser ser o primeiro – diz Jesus – há de ser o último de todos e o servo de todos» (Mc 9, 35). Como assinalava o Papa São Paulo VI,
«tomar a sério a política, nos seus diversos níveis – local, regional, nacional e mundial –
- é afirmar o dever do homem, de todos os homens,
- de reconhecerem a realidade concreta
- e o valor da liberdade de escolha que lhes é proporcionada,
- para procurarem realizar juntos o bem da cidade, da nação e da humanidade».[3]
Com efeito, a função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para todos aqueles que recebem o mandato de
- servir o seu país,
- proteger as pessoas que habitam nele
- e trabalhar para criar as condições dum futuro digno e justo.
Se for implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma eminente de caridade.
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Caridade e virtudes humanas para uma política ao serviço dos direitos humanos e da paz
O Papa Bento XVI recordava que
- «todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência na pólis. (…)
- Quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político. (…)
- A ação do homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela cidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da família humana».[4]
Trata-se de um programa
- no qual se podem reconhecer todos os políticos,
- de qualquer afiliação cultural ou religiosa,
- que desejam trabalhar juntos para o bem da família humana,
praticando as virtudes humanas que subjazem a uma boa ação política:
- a justiça,
- a equidade,
- o respeito mútuo,
- a sinceridade,
- a honestidade,
- a fidelidade.
A propósito, vale a pena recordar as «bem-aventuranças do político», propostas por uma testemunha fiel do Evangelho, o Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, falecido em 2002:
Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel.
Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade.
Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.
Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.
Bem-aventurado o político que realiza a unidade.
Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical.
Bem-aventurado o político que sabe escutar.
Bem-aventurado o político que não tem medo.[5]
- Cada renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, cada etapa da vida pública
- constitui uma oportunidade para voltar à fonte e às referências que inspiram a justiça e o direito.
Duma coisa temos a certeza:
- a boa política está ao serviço da paz;
- respeita e promove os direitos humanos fundamentais, que são igualmente deveres recíprocos,
- para que se teça um vínculo de confiança e gratidão entre as gerações do presente e as futuras.
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Os vícios da política
A par das virtudes, não faltam infelizmente os vícios, mesmo na política, devidos quer à inépcia pessoal quer às distorções no meio ambiente e nas instituições.
Para todos, está claro que os vícios da vida política tiram credibilidade
- aos sistemas dentro dos quais ela se realiza,
- bem como à autoridade,
- às decisões
- e à ação das pessoas que se lhe dedicam.
Estes vícios, que enfraquecem o ideal duma vida democrática autêntica, são a vergonha da vida pública e colocam em perigo a paz social:
- a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –,
- a negação do direito,
- a falta de respeito pelas regras comunitárias,
- o enriquecimento ilegal,
- a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da «razão de Estado»,
- a tendência a perpetuar-se no poder,
- a xenofobia e o racismo,
- a recusa a cuidar da Terra,
- a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato,
- o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio.
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A boa política promove a participação dos jovens e a confiança no outro
Quando o exercício do poder político visa apenas salvaguardar os interesses de certos indivíduos privilegiados,
- o futuro fica comprometido
- e os jovens podem ser tentados pela desconfiança,
- por se verem condenados a permanecer à margem da sociedade,
- sem possibilidades de participar num projeto para o futuro.
Pelo contrário, quando a política se traduz, concretamente, no encorajamento dos talentos juvenis e das vocações que requerem a sua realização, a paz propaga-se nas consciências e nos rostos. Torna-se uma confiança dinâmica, que significa «fio-me de ti e creio contigo» na possibilidade de trabalharmos juntos pelo bem comum.
Por isso, a política é a favor da paz, se se expressa no reconhecimento dos carismas e capacidades de cada pessoa.
«Que há de mais belo que uma mão estendida? Esta foi querida por Deus para dar e receber. Deus não a quis para matar (cf. Gn 4, 1-16) ou fazer sofrer, mas para cuidar e ajudar a viver. Juntamente com o coração e a inteligência, pode, também a mão, tornar-se um instrumento de diálogo».[6]
Cada um pode contribuir com a própria pedra para a construção da casa comum. A vida política autêntica, que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais. Uma tal confiança nunca é fácil de viver, porque as relações humanas são complexas.
Nestes tempos, em particular, vivemos num clima de desconfiança que está enraizada
- no medo do outro ou do forasteiro,
- na ansiedade pela perda das próprias vantagens,
- e manifesta-se também, infelizmente, a nível político mediante atitudes de fechamento ou nacionalismos
- que colocam em questão aquela fraternidade de que o nosso mundo globalizado tanto precisa.
Hoje, mais do que nunca, as nossas sociedades necessitam de «artesãos da paz» que possam ser autênticos mensageiros e testemunhas de Deus Pai, que quer o bem e a felicidade da família humana.
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Não à guerra nem à estratégia do medo
Cem anos depois do fim da I Guerra Mundial, ao recordarmos os jovens mortos durante aqueles combates e as populações civis dilaceradas, experimentamos – hoje, ainda mais que ontem – a terrível lição das guerras fratricidas, isto é, que
- a paz não pode jamais reduzir-se ao mero equilíbrio das forças e do medo.
- Manter o outro sob ameaça significa reduzi-lo ao estado de objeto e negar a sua dignidade.
Por esta razão, reiteramos que
- a escalada em termos de intimidação,
- bem como a proliferação descontrolada das armas
- são contrárias à moral e à busca duma verdadeira concórdia.
O terror exercido sobre as pessoas mais vulneráveis contribui para o exílio de populações inteiras à procura duma terra de paz.
Não são sustentáveis
- os discursos políticos que tendem a acusar os migrantes de todos os males
- e a privar os pobres da esperança.
Ao contrário, deve-se reafirmar que a paz se baseia
- no respeito por toda a pessoa, independentemente da sua história,
- no respeito pelo direito e o bem comum,
- pela criação que nos foi confiada
- e pela riqueza moral transmitida pelas gerações passadas.
O nosso pensamento detém-se, ainda e de modo particular, nas crianças que vivem nas zonas atuais de conflito e em todos aqueles que se esforçam por que a sua vida e os seus direitos sejam protegidos. No mundo, uma em cada seis crianças sofre com a violência da guerra ou pelas suas consequências, quando não é requisitada para se tornar, ela própria, soldado ou refém dos grupos armados. O testemunho daqueles que trabalham para defender a dignidade e o respeito das crianças é extremamente precioso para o futuro da humanidade.
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Um grande projeto de paz
Celebra-se, nestes dias, o septuagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada após a II Guerra Mundial. A este respeito, recordemos a observação do Papa São João XXIII:
«Quando numa pessoa surge a consciência dos próprios direitos, nela nascerá forçosamente a consciência do dever: no titular de direitos, o dever de reclamar esses direitos, como expressão da sua dignidade; nos demais, o dever de reconhecer e respeitar tais direitos».[7]
Com efeito, a paz é fruto dum grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:
– a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e – como aconselhava São Francisco de Sales – cultivando «um pouco de doçura para consigo mesmo», a fim de oferecer «um pouco de doçura aos outros»;
– a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado…, tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo;
– a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro.
A política da paz, que conhece bem as fragilidades humanas e delas se ocupa, pode sempre inspirar-se ao espírito do Magnificat que Maria, Mãe de Cristo Salvador e Rainha da Paz, canta em nome de todos os homens:
A «misericórdia [do Todo-Poderoso] estende-se de geração em geração sobre aqueles que O temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes (…), lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre» (Lc 1, 50-55).
Vaticano, 8 de dezembro de 2018.
Franciscus
[1] Cf. Lc 2, 14: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado».
[2] Cf. Le Porche du mystère de la deuxième vertu (Paris 1986).
[3] Carta ap. Octogesima adveniens (14/V/1971), 46.
[4] Carta enc. Caritas in veritate (29/V/2009), 7.
[5] Cf. «Discurso na Exposição-Encontro “Civitas” de Pádua»: Revista 30giorni (2002-nº 5).
[6] Bento XVI, Discurso às Autoridades do Benim (Cotonou, 19/XI/2011).
[7] Carta enc. Pacem in terris (11/IV/1963), 24 (44).
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