Foto: Manifestação dos Coletes Amarelos em Avignon /Sebastien Huette/ Flickr
A entrevista é de Sonya Faure, publicada por Libération, 12-12-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Falar da Europa em plena crise dos coletes amarelos é uma heresia? Pelo contrário.
Segundo a jurista Stéphanie Hennette-Vauchez e o economista Thomas Piketty, é no nível europeu que pode se construir equidade fiscais reivindicada hoje nas ruas e rodovias francesas. Com mais de 120 pesquisadores e líderes políticos, eles lançaram na segunda-feira um “apelo para transformar as instituições e as políticas europeias” (1)
Thomas Piketty – Wikipedia – Hennette-Vauchez – Daqui
E lançaram um projeto de tratado europeu mais democrático (o Tdem), assim como uma proposta de um orçamento mais solidário – quatro vezes superior ao atual orçamento da UE. “Depois do Brexit e a eleição de governos anti-europeus chegando a mais países europeus, não é possível que ela continua como antes”, escreve-se no apelo. “Sem realizar”, sobretudo, “que seja precisamente a falha da ambição social que alimenta o sentimento de abandono”.
Nesse tratado Europeu revisto, que eles apresentaram ao Libération no ano passado (2), Hennette-Vauchez e Piketty criam nomeadamente uma Assembleia europeia soberana que terá três amplos poderes e, sobretudo, a última palavra sobre o voto do orçamento europeu. Ela será composta por 80% dos parlamentares nacionais.
Essa é a verdadeira alavanca social do sistema. Além do orçamento, o projeto de Piketty e companhia pressiona para quatro grandes impostos europeus: sobre o lucro das grandes empresas, sobre os grandes rendimentos, os grandes patrimônios e sobre a emissão de carbono. Ele fixou três prioridades: a transição ecológica, a acolhida dos migrantes e a pesquisa e inovação. Enfim, novamente “bens comuns à escala da Europa”, como disse Stéphanie Hennette-Vauchez. Dez mil signatários já aderiram ao apelo.
Eis a entrevista
Qual a visão de vocês sobre o movimento dos coletes amarelos?
Thomas Piketty — Os coletes amarelos apresentam uma questão central, que é da justiça fiscal. Uma parte da resposta deve ser feita a nível francês: Macron deve imediatamente
- restaurar o Imposto sobre as Fortunas (ISF)
- e dedicar essas receitas para compensar aqueles que são mais duramente afetadas pelas taxas de carbono, que devem ser retomados.
Mas a resposta deve ser igualmente francesa. Nosso manifesto pela democratização da Europa é antes de tudo um manifesto pela justiça fiscal.
O objetivo é de permitir a uma maioria da população de
- implementar impostos justos na Europa,
- isso é, impostos orientados mais para a contribuição das grandes empresas
- que dos pequenos e médios-empresários,
- das famílias de altos rendimentos e altos patrimônios
- que das categorias modestas e médias.
E reforçar o imposto sobre a emissão de carbono para aqueles que
- pegam avião todo final de semana,
- não para quem não tem outra escolha que não seja tomar seu carro todas as manhãs!
Nossas propostas são imperfeitas e devem ser melhoradas. Mas elas têm o mérito de existirem: não podemos se contentar com todos os críticos e repetidores que nada é possível na Europa.
O que pensa da resposta dada por Emmanuel Macron e pelo governo?
Piketty — Ele está totalmente deslocado e insuficiente.
- Ele não anunciou nada de concreto sobre o ISF e as taxas demandada aos mais ricos,
- ele faz como se a questão do aquecimento climático e da taxa de carbono tenha sido o que disparou o protesto.
- Ele pensar ganhar tempo, mas na realidade vai cair mais rápido.
A Europa é relativamente ausenta das reivindicações dos coletes amarelos. Mesmo entendendo a vontade de se livrar da contribuição de 3%. Agir a nível europeu não é afastar mais as tomadas de decisão dos cidadãos?
Stépanhie Hennette-Vauchez — A Europa
- não é um escalão de intervenção afastada das dificuldades econômicas e sociais encontradas hoje nos países-membros, bem pelo contrário.
- É a mesma, em matéria fiscal, é a escala mais pertinente para colocar fim à concorrência entre os Estados.
O dumping fiscal que existe hoje no coração da Europa deixa todo o mundo sobre a base: a reforma que nós propomos permite justamente de
- realizar uma harmonização fiscal
- portadora de solidariedade intra-europeia.
Nossa ambição é de colocar a flexibilidade das regras estritas que caracterizam hoje a política orçamentária europeia. Nosso projeto prevê em particular reverter aos Estado a metade das receitas produzidas pelos quatro impostos que estamos propondo de levantar. Será uma maneira para
- se colocar na obra de autênticos políticos de relance do investimento público e do acompanhamento da transição ecológica,
- sem que possa se opor à regra dos 3%.
Como deixar a democracia europeia mais direta?
Hennette-Vauchez — O Tdem não pretende acabar com a questão, evidente que outras vias de democratização não devem ser negligenciadas. O coração da nossa proposta,
- que consiste em criar uma Assembleia europeia composta em grande parte de parlamentares nacionais,
- não se opõem à tomada de consciência da mobilização cidadã
- e de outas formas de contra-peritagem.
Pelo contrário, ele nos
- é importante por dar a esses últimos um ponto de apoio em um conjunto institucional
- onde hoje eles são impossibilitados ser entendidos.
- Por meio desse arranjo democrático, procuramos abrir uma brecha na qual as causas cívicas descartadas até agora, como vozes heterodoxas, até então marginalizadas, podem agora se insurgir.
A Assembleia Europeia e os seus diferentes grupos políticos podem ser um aliado político essencial e uma alavanca para levar estas vozes ao coração do governo da União.
Com o seu orçamento europeu ideal, quais serão as despesas prioritárias?
Hennette-Vauchez — A ideia é dupla:
- de uma parte, permitir o renascimento do investimento público (cujo os cortes generalizados na Europa durante o período recente são dramáticos)
- todos permitindo o acompanhamento da transição ecológica.
Os novos impostos que propomos de levantar poderiam ser gastos em benefício
- dos Estados (50%),
- das universidades e da formação (25%),
- da acolhida de migrantes,
- da transição ecológica (25%).
Isso feito, definimos os bens comuns autênticos em toda a Europa:
- o clima e a preservação do meio-ambiente,
- o acolhimento digno das populações migrantes,
- mas também o conhecimento, a formação e a inovação,
são as condições para um desenvolvimento europeu harmonioso nos próximos anos e décadas.
Os migrantes, a ecologia… essas não são precisamente as prioridades dos Europeus, se acreditarmos no movimento dos coletes amarelos.
Hennette-Vauchez — Adotar um orçamento, é fazer uma comunidade política. As orientações sobre aquelas nossas propostas de fazer são realistas: eles afirmam claramente que
- as problemáticas como aquelas de ecologia ou migração não podem ser tratadas senão de maneira coletiva, europeia – e não Estado por Estado.
- É o contrário, ao deixar as populações pagarem os custos da transição ecológica sem dispositivos de acompanhamento e de compensação,
- nos quais os deixam crer que as migrações podem ser problemas ou dizem respeito apenas à Grécia ou à Itália,
- o que agravaria o abandono e a injustiça, denunciados pelos coletes amarelos.
Não devemos perder de vista os custos muito elevados de um status quo europeu.
Piketty — Eu recordo que uma parte dessas
- novos impostos a nível europeu sobre os atores econômicos mais poderosos,
- serão devolvidos aos estados (metade das receitas em nossa proposta orçamentária, mas poderia ser mais se a Assembléia assim decidir).
Por exemplo, cada país pode usar esse dinheiro para reduzir os impostos sobre os mais pobres.
Precisamente, quais serão os novos tributos?
Piketty — O projeto prevê a adoção de quatro grandes impostos europeus agregados ao total de 4% do PIB europeu:
- um imposto sobre o lucro das grandes empresas,
- um imposto sobre os altos rendimentos (acima de 200 mil euros),
- um imposto sobre os grandes patrimônios (acima de 1 milhão de euros),
- e um imposto sobre a emissão de carbono (fixado inicialmente em 30 euros a tonelada, e aumentado regularmente).
Lembramos que atualmente,
- a taxa nacional do imposto sobre o lucro das grandes empresas está na média de 22% na União Europeia,
- enquanto no início dos anos 1980 era 45%.
E em 2018,
- a taxa marginal do imposto sobre o rendimento aplicados aos rendimentos mais elevados
- está em média de 40% na Europa,
- contra 65% em 1980.
Em seu projeto, a diferença entre as despesas arrecadadas e as receitas pagas para o mesmo país será limitada a 0,1% do seu PIB. Por quê?
Piketty — Esse limite de 0,1%
- poderia ser aumentado se houvesse um consenso,
- e isso é obviamente o que queremos.
Mas isso
- não deve se tornar um obstáculo e uma desculpa para não fazer nada,
- porque a verdadeira questão está em outro lugar:
- é sobretudo reduzir as desigualdades nos diferentes países
- e investir no futuro de todos os europeus,
- começando naturalmente com o mais novo deles,
- sem favorecer um país em detrimento de outro.
O fantasma da União
- transfere o bloqueio a todo pensamento europeu hoje,
- e é urgente sair disto.
Acrescento que este cálculo exclui em nosso projeto
- os gastos e investimentos realizados em um país para atender a um objetivo de interesse comum
- que também beneficia todos os países, como o combate ao aquecimento global.
Dado que financiará bens públicos europeus que beneficiarão de forma semelhante a todos os Estados-Membros, o orçamento de democratização conduzirá, de fato, a um efeito de convergência entre os Estados europeus.
Com o surgimento de partidos populistas e sentimentos anti-europeus, é provável que este projeto permaneça no estágio de boas intenções?
Hennette-Vauchez — O contexto é difícil, não importa quais projetos você pretenda. O nosso reconhece a atual dificuldade contextual, imaginando, em particular, um dispositivo que pode ser acionado por mais Estados – e não necessariamente 27.
Piketty — Eu não compartilho do seu pessimismo. É perfeitamente possível que a França e a Alemanha criem nos próximos meses uma Assembleia franco-alemã competente para adotar um imposto comum sobre os lucros das grandes empresas, um imposto comum sobre as emissões de carbono, incluindo o querosene, etc.
Este projeto de justiça fiscal poderia envolver progressivamente todos os países. E
- se os governos não têm a sabedoria para fazê-lo a frio,
- então são as crises financeiras, sociais ou políticas que imporão uma reintegração das instituições europeias.
Em qualquer caso, será necessário reconstruir. As saídas políticas exigirão lutas de raiva e poder. E você tem que se preparar desde agora.
Notas:
(1) Assinado pelo antigo Primeiro Ministro italiano Massimo d’Alema, o historiador Patrick Boucheron, o politólogo alemão Jan-Werner Mülle, a economista et cronista no Libération, Anne-Laure Delatte… o apelo foi publicado no Le Monde.
(2) Em março de 2017 a editora Seuil publicou o livro: Pour un traité de démocratisation de l’Europe. De Stéphanie Hennette, Thomas Piketty, Guillaume Sacriste e Antoine Vauchez.
Sonya Faure
Comentários