A recorrente atitude de descartar qualquer comparação entre Hitler e Mussolini e figuras como Bolsonaro (ou Trump, ou Orbán, ou Salvini) decorre de um velho vício que é o de, anacronicamente,
- julgar que o fascismo não existe sem bigodinhos ridículos,
- paradas noturnas com archotes e Auschwitz
– e, contudo, por aí não faltam
- deportados,
- campos de prisioneiros,
- discriminação racial,
- milícias,
- retórica anticomunista
- e discursos de ódio.
Depois de terem promovido a fascização das relações de trabalho
- (precariedade e falta de liberdade na relação com o empregador,
- ação coletiva e sindicalização assumidas,
- na maioria dos casos, como necessariamente clandestinas),
a questão reside
- em saber se os grupos sociais e políticos que se reservam a possibilidade de usar a carta da fascização do Estado
- acham ainda que os seus interesses estão suficientemente garantidos
- nos sistemas formalmente liberais em que vivemos.
Exatamente como aconteceu na era do Fascismo (1918-45),
- o problema é mais de oportunidade do que de necessidade:
- mais do que avaliar a necessidade de proteger os seus interesses
- eliminando (política e fisicamente) os seus opositores e a resistência social,
- porque julgados demasiado fortes,
o que hoje se pergunta quem empurra Bolsonaro para o poder (e com ele acordou uma agenda económica e social) é se se pode dar ao luxo de perder esta oportunidade, a primeira que se lhe oferece desde o fim da ditadura militar (1985).
Uma parte muito significativa dela
- é praticada pelas forças policiais,
- legitimadas que estão por uma opinião que a justifica
- e que, quanto menos aceitar explicações sociais,
- mais tende a julgar que a solução é mais violência ainda.
Por exemplo,
- ocupando militarmente cidades inteiras;
- se necessário, suspendendo o Estado de Direito;
- se preciso, impondo a ditadura.
E aí está Bolsonaro
- prometendo cinco ministros militares
- e fazendo campanha no BOPE (Batalhão de Operações Especiais), no Rio,
- onde foi dizer que, se for eleito, “a classe militar terá um dos nossos” em Brasília (Estado de São Paulo, 15.10.2018).
Bolsonaro no poder
- será sempre violência de Estado;
- não que ela seja novidade,
- mas haverá mais, e mais legitimada.
E, além dela, haverá a violência praticada por quem se sente politicamente legitimado pela ideologia do Estado.
Em 1924, ano e meio depois de Mussolini chegar ao poder,
- o deputado socialista Matteotti não precisou de ser detido pela polícia e executado por uma via legal que ainda nem sequer havia sido implantada;
- matou-o uma squadra de militantes fascistas.
No Brasil dos esquadrões da morte e dos assassinos da vereadora Marielle Franco, percebe-se bem do que estou a falar: matar ativista de esquerda é coisa bem mais fácil do que matar Kashoggi.
Confrontado com as suas responsabilidades no caso Matteotti, Mussolini, chefe de um governo de coligação que ainda tolerava a existência de oposição legal, limitou-se a dizer:
“Se o fascismo é uma associação de delinquentes, sou eu o chefe dessa associação! Se toda a violência foi o resultado de um determinado clima histórico, político e moral, a responsabilidade é minha, porque este clima histórico, político e moral criei-o eu”.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Historiador, pesquisador e estudioso do Fascismo
https://www.publico.pt/2018/10/20/mundo/opiniao/orban-trump-bolsonaro-chegamos-ate-aqui-ii-1848169
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