Como uma pessoa que estuda violência há 15 anos eu tenho algumas coisas a dizer sobre o momento político que estamos vivendo.
Fiz uma tese de doutorado sobre violência, mímesis, contágio. Estudei a estratégia do bode expiatório que, para mim, vem tomando proporções escabrosas no Brasil.
Entendo a estratégia do bode expiatório como um dos pilares do golpe que podemos sintetizar no Grande Acordo Nacional – “Tem que mudar o governo para estancar essa sangria”, disse Romero Jucá. Trocando em miúdos, trata-se de uma estratégia para desmontar o estado de bem estar social que já era capenga, para servir aos interesses do grande capital.
Não sou petista e fiz muita oposição ao Governo Dilma e às escolhas catastróficas de um modelo econômico conservador e predatório.
Mas é tão óbvio que
- o PT se tornou um bode expiatório
- e que o ódio ao PT
- é um catalisador de temores e insatisfações,
- projeto das elites e da grande mídia pra manipular pessoas.
Eu tenho visto tanta gente conhecida que já não reconheço: de uns tempos pra cá
- enrubesce ao falar,
- trava o queixo,
- baba de ódio.
O fenômeno tem sido relatado por amigas/os também sobre familiares e colegas.
Não tem nada com mais força na sociedade que catalisar os ódios num insígnia única. É densamente amalgamador e se potencializa numa espécie de tautologia,
- como se tudo passasse a justificar esse ódio
- e o ódio também passasse a balizar tudo.
Um sinal contundente do êxito da estratégia do bode expiatório é a relativização de todo o resto.
Quem comprou o “Ódio ao PT” não odeia, não de um modo contundente e avassalador,
- o Jair Bolsonaro,
- o Michel Temer,
- o Aécio Neves,
- o Gilmar Mendes,
- o golpe jurídico-midiático,
- o “grande acordo nacional, com Supremo, com tudo”.
Não discursa, com indignação contra nenhum deles.
- PEC do congelamento,
- retrocesso de direitos,
- fascismo,
- homofobia,
- racismo,
- machismo,
- apologia ao estupro,
- apologia à tortura.
Não odeia nada disso. As coisas mais hediondas não cabem na indignação de quem comprou o ódio único ao PT. Mas o antipetismo empedernido é nada mais, nada menos que um projeto de manipulação feito em modelos consolidados historicamente.
O antropólogo René Girard dedicou uma vida ao estudo do tema com centenas de livros publicados.
Em sociedades em crise, as massas,
- focadas no bode expiatório,
- elegem a vítima sacrificial,
- que nunca é a verdadeira culpada.
Hordas sociais catapultam o ódio e expurgam a vítima.
- Apesar de parecer um movimento espontâneo,
- há sempre o interesse de uma elite por trás,
- que precisa poupar o verdadeiro culpado
- e zelar pelo status quo.
Por isso, a vítima sacrificial é sempre uma figura
- que foi marginalizada,
- que carrega um estigma,
o que torna mais fácil sua designação como bode expiatório.
Evidente que o PT
- não é uma quadrilha,
- tampouco o partido que mais roubou na história do país.
Muito pelo contrário,
- tirou o país do mapa da fome
- e estamos aí, nesse exato momento, vendo retrocessos na educação, na saúde, na assistência social etc.
Teve
- Fies,
- teve Prouni,
- teve “Ciência sem fronteira”,
- teve “Fome zero”,
- teve “Minha casa, minha vida”
e tanta política pública acertada que o Lula tem recolhido reconhecimento em todo canto do mundo e acaba de ganhar seu 35o honoris causa.
Teve problema?
- Teve muito!
- Mas nada diferente nem pior do que os que sempre estiveram no poder.
- E certamente nada que justifique catalisar ódios num partido só.
E em geral, quando a pessoa vem com o “fora todos”,é eleitora do inominável, se não no 1.o, no 2.o turno, e sequer se dá conta de como seu ódio segue exclusivista. Porque outro sintoma que constato
- do bode expiatório
- e da onda de ódio
- é o ofuscamento para o restante.
O ódio, já dizia Sara Ahmed, é pegajoso. Mobiliza-se mais gente que se junta contra algo do que a favor. O ódio tem essa potência do expurgo. Nada é mais agregador que o ódio. E a estratégia de manipulação via bode expiatório tem dado certo por toda a história mundial.
No Brasil, agora vemos
- no “tudo, menos PT”,
- a ascensão do autoritarismo,
- o declínio do diálogo
- e o escalonamento da intolerância e agressividade.
Pra quem
- brinca com fogo
- e acha que Jair não fará o que diz,
- Jessé Souza já nos relembrou que Hitler já avisara tudo que faria.
Se você é do tipo “tudo, menos PT”,você cogita votar
- num ser extremamente perigoso,
- que propaga e estimula o ódio,
- banaliza a violência
- e cuja propaganda é uma mão em forma de arma.
Um ser que diz que
- “o erro da ditadura foi torturar e não matar”,
- e que já deveria estaria preso, se nosso país fosse sério.
Se você cogita votar nele,
- você certamente foi tomado/a pelo Ódio Único
- e anda relativizando o oco.
- O oco é a cara do fascismo.
O oco tem a cara de uma pessoa
- que não articula nem o bê-a-bá da economia,
- que já foi condenado por apologia ao estupro e comentário racista,
- que tem como herói um torturador sanguinolento, responsável por 45 mortes e desaparições,
- exaltado pelo Jair em rede nacional.
O oco é a cara do seu ídolo Brilhante Ustra, que
- torturou uma mulher grávida de 7 meses
- e levou duas crianças, uma de 4, outra de 5 anos,
- para assistir os pais torturados, sujos de fezes e vômito.
Horror não se relativiza. Não queiramos ver o oco. Todo mundo perde.
Daniela Gontijo
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