Os resultados das últimas pesquisas de intenção de voto, divulgados pelos institutos Ibope e Datafolha na noite de segunda-feira (10), foram objeto da análise do professor e cientista político da Universidade Federal do ABC (UFABC) Vitor Marchetti, em entrevista concedida aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual.
O nascimento oficial da candidatura de Fernando Haddad (PT), o efeito da chamada “transferência de votos”, a crise do PSDB e a estagnação da candidatura de Geraldo Alckmin, assim como as possibilidades de Marina Silva (Rede) e a consolidação de Jair Bolsonaro no primeiro lugar das pesquisas, foram alguns dos temas abordados por Vitor Marchetti.
A entrevista é publicada por Rede Brasil Atual, 11-09-2018.
Crescimento de Haddad nas pesquisas
“Do ponto de vista político, a vinte dias da eleição, a gente já percebe um crescimento da candidatura Haddad, a partir do momento em que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tomou a decisão pela inelegibilidade (da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva). E as últimas pesquisas já apontam um crescimento bastante expressivo da candidatura Haddad e me parece que essa vai ser a tendência a partir de agora. Em mais uma semana de candidatura confirmada, acredito que o cenário vá apontar para algo não definitivo, mas um cenário um pouco mais próximo do que de fato será o cenário eleitoral.”
Transferência de votos
“Todos os candidatos oscilaram dentro da margem de erro. O Ciro saiu um ponto da margem de erro, e o Haddad foi quem, de fato, apresentou um crescimento. A gente tem que ler pesquisa eleitoral como um movimento, não como um quadro fixo. E o movimento indica a candidatura de Bolsonaro consolidada em primeiro lugar, e a transferência de votos que Alckmin esperava acontecer, não vem acontecendo. Se a gente pegar de um mês atrás para agora, vamos perceber que a candidatura Alckminnão foi bem sucedida nessa sua estratégia de convencer o eleitor do Bolsonaro de que Alckmin era alternativa.
O que é curioso porque o PSDB, no período pré-eleitoral, investiu fortemente na candidatura de Alckmin trazendo diversos partidos para sua aliança, tentando se consolidar como uma candidatura de centro, mas a gente sabe que boa parte desses partidos estão no campo da direita. Inclusive a vice Ana Amélia (PP)era um sinal muito forte para o eleitor do Bolsonaro de que o PSDB iria continuar trafegando nessa campo da direita. Mas o eleitor, aparentemente, não tem se convencido disso. A candidatura Alckmin, até esse momento, é a grande derrotada.”
De volta a 1989
“As candidaturas do campo da esquerda, Ciro Gomes e Haddad, me parece que essa vai ser a disputa, a reedição de 1989. PT e PDT disputando quem vai enfrentar o candidato conservador no segundo turno.”
A Crise do PSDB
“O PSDB, depois de ter incentivado e ter sido um dos principais protagonistas do golpe de 2016, não se consolida como alternativa para o país. O PSDB
- deu uma guinada à direita,
- todas suas novas lideranças têm um discurso bastante calcado na direita,
- e isso do ponto de vista eleitoral não tem se mostrado bem sucedido.
Se pegar até o desempenho do Doria para o governo de São Paulo, sua rejeição não tem cedido, ele está com uma rejeição bastante importante. E as pesquisas já começam a apontar que ele perderia a eleição no segundo turno. Muita coisa, me parece, ainda vai acontecer na eleição para o governo do estado.
“O PSDB, depois de ter incentivado e ter sido um dos principais protagonistas do golpe de 2016, não se consolida como alternativa para o país. Bico enorme e asas pequenas só lhe permitem voo curto/IHU
Nessa história de renovação dos partidos, se olharmos nas duas últimas décadas, os partidos que dominaram o cenário político, PT e PSDB, estão passando por processos intensos de troca geracional. O PT tem feito isso de um modo que, me parece, ainda mantém o partido como protagonista do jogo, e o PSDB fez essa renovação à direita, radicalizando o discurso à direita.
E esse eleitor à direita não se mostrou fiel, ou que tenha identificado no PSDB o caminho da renovação.
- E além de esse eleitor não aderir ao movimento do PSDB como o partido que renova a direita,
- a legenda teve alguma sabotagem interna.
- Você pega comportamentos como o do Doria, nunca foram comportamentos orgânicos.
Na renovação das lideranças do partido, há gente com agendas pessoais muito mais importantes do que agendas orgânicas do próprio partido. Tem a declaração do Doria apontando que o Bolsonaro vai para o segundo turno, quer dizer, o afilhado político do Alckmin indica que o Alckmin já não tem chance. A gente sabe que, do ponto de vista eleitoral, por mais que se faça avaliação interna, nunca se diz isso publicamente, porque obviamente isso atenta contra a candidatura que você apoia.
O que mostra que o Doria nunca esteve com Alckmin, e a disputa nos bastidores entre os dois sempre foi muito intensa. Acho que já podemos cravar que o PSDB é um dos grandes derrotados do golpe de 2016. O cenário tem apontado que o PSDB vai ter que se reinventar, inclusive sobre quais são as lideranças que vão assumir o partido.”
Queda da candidatura de Marina Silva (Rede)
“A gente tem dito que essa eleição reforça a polarização do Brasil entre esquerda e direita, com agendas distintas para o país, e que provavelmente a gente teria, no segundo turno, uma candidatura que representasse o campo da esquerda e outra o campo da direita. Portanto, o muro, o meio do caminho, ficava numa posição cada vez mais difícil.
E Marina tentou se equilibrar num muro cada vez mais fino, mais estreito. E o derretimento das intenções de voto dela, nesse momento, mostra como, de fato, o muro ficou pequeno. O país não apresenta uma conjuntura em que é possível um candidato, que não tenha claramente sinalizado a qual agenda vai aderir, tenha espaço do ponto de vista eleitoral.”
Rejeição de Jair Bolsonaro (PSL)
“Ainda que tenha oscilado positivamente dentro da margem de erro, a rejeição tem crescido, o que mostra que, de alguma maneira,
- o eleitor percebeu o ato de violência que ele sofreu
- como resultado, ou como parte do contexto em que o próprio candidato funciona nessa ‘chave’.
O candidato
- funciona na chave da incitação à violência,
- tem focos principais nos seus discursos de ódio,
- e aí não é à toa que esse perfil de eleitor, mulheres, negros, nordestinos,
- tenham uma rejeição muito mais elevada porque são esses os eleitores focos do veneno que destilou nos últimos anos.
Do ponto de vista eleitoral,
- ainda que ele esteja se consolidando como um candidato que vai para o segundo turno,
- seu teto tem ficado cada vez mais baixo,
- o que pode dar um indicativo de que vai para o segundo turno,
- mas com uma chance muito pequena de sair vencedor.
O que vai produzir um dilema bastante importante nos eleitores de Alckmin e do campo conservador, porque terão que aderir a um candidato que não parece ter muito fôlego para sobreviver a uma eleição no segundo turno.
E imagino que as forças, não só do campo da esquerda, mas democráticas, vão acabar se unindo porque sabem a ameaça que ele representa para a democracia, para os direitos humanos e para a estabilidade política do país.”
Rede Brasil Atual
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