O Estado brasileiro está muito fragilizado e o sistema judiciário muito politizado, mas mantém-se silencioso sobre os apelos ao ódio e à violência.
As Forças Armadas intervêm cada vez mais no debate político e há uma elite disposta a tudo para se manter no poder.
O esfaqueamento de Jair Bolsonaro, candidato da extrema-direita militar, é mais um alerta para as gravíssimas ameaças à democracia, num quadro de contra-revolução autoritária e nacionalista que põe em perigo a liberdade.
- O atentado contra Bolsonaro
- não foi montado pelo seu partido,
- e as teorias conspirativas do próprio e dos seus adversários
- só servem para ocultar o proveito que o candidato pretende tirar dele.
O incêndio do Reichstag, acto individual ou inventona Nazi, serviu os objectivos de Hitler. Vivemos o século XXI como se tivéssemos esquecido o século XX e as suas trágicas lições.
Dias antes de ser esfaqueado,
- Bolsonaro tinha declarado no Acre
- que iria fuzilar todos os petralhas (ou seja, os políticos do PT).
Num ambiente em que os discursos de ódio de Bolsonaro se multiplicavam,
- a caravana eleitoral de Lula foi baleada,
- Marielle Franco foi assassinada
- e refugiados venezuelanos atacados.
O que a extrema-direita odeia
- não são as eleições, pelo menos enquanto estão na oposição,
- mas a liberdade,
- a igualdade
- e a fraternidade.
Esses valores fundamentais
- são apontados como responsáveis pela decadência da sociedade
- e a eles contrapõem o nacionalismo
- e a superioridade étnica.
Bolsonaro, que é quem de forma mais transparente assume a natureza neofascista da sua ideologia,
- elogia a ditadura militar e expressa, sem pudor,
- ódio e desprezo pelos direitos das mulheres,
- dos homossexuais,
- dos negros
- e dos emigrantes, a quem chamou “escória do mundo”.
Perante a gravidade da situação, como devem reagir os democratas?
- Alguns, como se viu com o debate sobre o convite a Marine Le Pen para participar na Web Summit, em Lisboa, defendem a via do diálogo com a extrema-direita.
- Há quem acuse os que se opõem a esse diálogo de incoerência, pois não criticariam com o mesmo afinco os regimes totalitários de esquerda.
Esquecem-se
- que a guerra fria acabou há quase 30 anos
- e que a hipótese de tomada de poder pelos comunistas é nula
- enquanto a da extrema-direita é bem real.
Esquecem-se
- do grave erro da social-democracia e dos comunistas alemães,
- quando, perante a ameaça do nazismo,
- continuaram a ver-se como inimigos.
Na Europa, a incoerência perante a extrema-direita está bem patente no Partido Popular Europeu, que mantém o Fidesz e o PIS no seu seio (sem que o PSD e o CDS clarifiquem a sua posição).
No Brasil,
- apoiantes de Bolsonaro, mas também de outras forças que se auto-intitulam liberais,
- classificam de comunista o Partido dos Trabalhadores.
- Mas o PT é um partido social-democrata de esquerda,
- que governou, apesar dos erros graves,
- sem pôr em causa a economia do mercado,
- tendo uma política de distribuição de riqueza para enfrentar a grave dívida social do Brasil.
Maduro e Chávez estão muito mais perto do caudilhismo militar latino-americano que inspira Bolsonaro do que de Lula.
Para combater a extrema-direita é fundamental aplicar a lei:
- os apelos ao ódio
- e a propagação do racismo são crime.
Para isso é preciso preservar o Estado de Direito e dar-lhe os meios para agir. Na Europa nem sempre tem sido feito assim, como se vê na lentidão com que as instituições europeias têm agido contra os governos da Hungria e da Polónia.
No Brasil a situação é particularmente perigosa porque o Estado está muito fragilizado e com um judiciário politizado, mas silencioso sobre os apelos ao ódio e à violência, as Forças Armadas intervêm cada vez mais no debate político e há uma elite pronta a tudo para se manter no poder.
Não basta, no entanto, defender as liberdades e combater o racismo.
Para ganharem eleições,
- os partidos democráticos
- têm de enfrentar as graves distorções do sistema económico e financeiro
- e as gritantes desigualdades que provocam,
- o que explica a indignação das classes médias e a sua adesão a propostas demagógicas dos populistas.
Para derrotar a extrema-direita é imperioso
- não só que a direita liberal supere a sua incoerência ética,
- mas também que a esquerda democrática supere a sua incoerência social.
A situação no Brasil é particularmente grave e deve ser vista como mais um alerta para a necessidade de travar os avanços da contra-revolução autoritária, o que só será possível assumindo que o risco é real e mobilizando a sociedade, sem sectarismo ideológico, para o conter.
Álvaro Vasconcelos
Leave a Reply