Glauco Faria e Marilu Cabañas – 31/08/2018 /Foto: IHU
O antipetismo “fora de controle”, o flerte do PSDB com o fascismo, a politização do judiciário, o mercado financeiro à procura de um candidato para “chamar de seu”, assim como a força do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram temas da análise do economista e sociólogo William Nozaki, em entrevista concedida aos jornalistas Glauco Faria e Marilu Cabañas, na Rádio Brasil Atual, 30-08-2018.
Professor de economia e ciência política na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Nozaki também analisou a recente decisão do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) a respeito do direito de Lula concorrer à eleição, e quais impactos essa medida pode ter nos julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Trechos da entrevista:
Candidatura de Lula e sessão do TSE nesta sexta-feira (31)
É preciso observar com atenção o que vai acontecer. Sobretudo as pressões internacionais das últimas semanas criaram uma zona de incerteza para decisão (do TSE) e isso pode criar algum cenário favorável à participação do ex-presidente Lula nos debates. Mas é preciso acompanhar os passos com atenção porque, como viemos de uma conjuntura de muitos sobressaltos, é possível que tenhamos ainda má surpresas se desdobrando nas decisões do judiciário.
Atuação do STF e votação das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs)
A atuação do Supremo tem revelado, nos últimos meses, uma espécie de ‘fase dois’ na relação entre política e judiciário, indo da judicialização da política para a politização do judiciário. As sucessivas decisões monocráticas do Supremo,
- criando sobressaltos, criando instabilidade,
- agindo muitas vezes a partir de parâmetros e procedimentos políticos que não são os mais normais,
- têm despertado o alerta permanente.
Até porque se trata de um dos poderes que, em certa medida,
- deu legitimidade ao processo que se consumou no impeachment da presidente Dilma
- e, portanto, a toda a instabilidade que se seguiu a partir daí.
Declarações de Fernando Henrique Cardoso e Gilmar Mendes sobre Lula “se fazer de vítima”
Esse tipo de diagnóstico só revela o grau de distorção e desespero com que parte das forças políticas que participaram do golpe estão observando o atual cenário.
O PSDB, em particular, e as forças políticas e jurídicas ligadas a ele, tem dado mostras de que
- pode flertar com o fascismo,
- e pode flertar com procedimentos antidemocráticos a qualquer momento.
Esse tipo de leitura do ex-presidente Fernando Henrique, na verdade,
- revela a má situação em que o PSDB ficou depois de todo esse processo,
- porque se trata de um dos partidos que está passando por um período de maior instabilidade, desestruturação e ameaça.
O golpe que eles deram, na verdade se voltou contra eles próprios.
Foto: Lula no meio do Povo / Brasill 247
Entrevistas de Jair Bolsonaro (PSL) e Geraldo Alckmin (PSDB) no Jornal Nacional
Acho que as entrevistas do Bolsonaro e do Alckmin podem ser ‘lidas’ em conjunto, num sentido específico.
A entrevista do Bolsonaro foi marcada, sobretudo no início, por um conjunto de perguntas sobre a relação do Bolsonaro e o economista Paulo Guedes. Ela
- sinalizava então para uma interpretação da Rede Globo e um conjunto de atores,
- para o quanto o Bolsonaro consegue garantir que Paulo Guedes vai ser o fiel da balança para que haja uma interlocução com o mercado financeiro.
E isso se complementa com a maneira como o Alckmin também foi cobrado. Isso revela que
- ele deixou de ter o monopólio de representação do mercado financeiro
- e do próprio sentimento antipetista.
Me parece que
- essas forças estão à procura, e cogitando embarcar numa outra candidatura,
- que seja capaz de capitalizar esse sentimento antipetista
- que o PSDB parece que não consegue mais fazer com o nível de radicalidade que assumiu o processo político, aliás, criado por eles próprios.
O cenário político foi para um lado tão extremo do espectro da direita que saiu do controle das próprias forças conservadoras, que não esperavam que o conservadorismo fosse virar, de maneira tão rápida, num reacionarismo.
Candidatura Lula x candidato anti-Lula x candidato anti-Bolsonaro
Minha impressão é que o critério ‘petismo’ e ‘antipetismo’ continua atuando de forma muito forte nessas eleições. A dificuldade é que,
- por conta de como está acontecendo o jogo político e as diversas influências judiciárias,
- fato concreto é que o antipetismo não conseguiu, dada a fragmentação das candidaturas, catalisar esse sentimento de uma parte do eleitorado num candidato mais ao centro.
A gente caminha para o início dos programas de TV com o próprio Alckmin já dando sinais de que,
- ao invés de flertar com o centro,
- pode mudar a estratégia e flertar mais com o espectro da extrema direita.
Do outro lado, o sentimento pró-petista está lidando com o cenário
- de judicialização da política,
- de suspeição da candidatura do ex-presidente Lula,
- e está no aguardo de como vai se dar o desfecho desse processo.
A incerteza, me parece, decorre do fatos dessas duas forças não conseguirem ter até agora, por motivos diferentes, apresentado com clareza para o eleitor quem vai representar, de fato, esses polos.
O antipetismo saiu do controle de quem o gestou e abriu-se, então, a ‘caixa de pandora’ para o surgimento de todo tipo de fantasma e retrocesso democrático, apresentado nas expressões desse fascismo tropical que orbita ao redor do Bolsonaro e que traz tantas ameaças ao jogo democrático brasileiro.
Glauco Faria e Marilu Cabañas
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