30/05/2018
Faz mais de dois anos que Aviv Ovadya fez o alerta: algo estava muito errado com a internet. Até aí, quem nunca pensou isso? Na época, já havia inclusive estudos apontando, por exemplo, que mais da metade das notícias mais compartilhadas no Facebook na semana do impeachment de Dilma Rousseff (PT) eram falsas.
Mas, o chefe de tecnologia do Centro de Responsabilidade para Mídias Sociais e engenheiro formado pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) foi além. Ele levou suas preocupações aos tecnólogos da baía de San Francisco e avisou que haveria uma crise de desinformação. E, sem cidadãos informados, a democracia estava ameaçada.
A apresentação, que ele intitulou de “Infocalypse” (uma referência a apocalipse da informação), foi ignorada. Logo depois, Donald Trump foi inesperadamente eleito presidente dos Estados Unidos. Meses depois, explodiu o escândalo de manipulação de dados do Facebook.
Agora, em entrevista exclusiva ao UOL Tecnologia, Ovadya faz novo alerta: a situação piorou e estamos vendo apenas a “ponta do iceberg”.

Acha exagero? Ovadya dá um exemplo muito próximo dos brasileiros.
Até a saúde será afetada. Como parar uma epidemia se as pessoas são rapidamente convencidas por informações falsas no WhatsApp de que o tratamento é perigoso?
A problemática relação dos brasileiros com o WhatsApp foi tema de um artigo da Wired, importante revista do mundo da ciência e tecnologia. No texto, a escritora Megan Molteni traz um panorama de como o mensageiro foi usado para espalhar boatos que ajudaram a febre amarela correr o país, infectando mais de 1.500 pessoas e matando centenas.
Notícias falsas sobre reações fatais à vacina, uso de mercúrio e conspirações governamentais foram propagados a uma velocidade alarmante, conta ela aos desavisados, explicando que o WhatsApp é usado por 120 milhões de brasileiros.
As coisas estão ficando piores, infelizmente. Muitos dos sinais de alertas foram ignorados quando apareceram, então estamos brincando de ‘pega-pega’ agora. Há tanto a ser feito, que nem deu pra começar…
- Enquanto lentamente respondemos a problemas que já aconteceram –propagação de fake news, bots e contas falsas espalhando desinformação, etc–,
- novas ameaças são desenvolvidas e precisam ser prevenidas – Aviv Ovadya
Ver para crer?
Tipos mais rebuscados de fake news não param de surgir. Recentemente, pesquisadores mostraram como é fácil criar um vídeo falso, mas muito real, de Obama. O que fazer quando deixamos de acreditar naquilo que os nossos olhos vêm?
Desinformação é um problema desde que a informação existe, da “imprensa marrom” ao spam. A diferença agora é que as plataformas permitem que ela se espalhe mais rápido, e novas tecnologia deixam mais fácil não apenas mentir, mas criar falsas informações que se parecem exatamente como a coisa real. Isso dá uma oportunidade tentadora para pessoas que queiram ganhar dinheiro ou manipular o público, seja para fins políticos, para espalhar uma ideologia ou só para roubar. – Aviv Ovadya – Getty Images
E agora?

As empresas precisam trabalhar o potencial de consequências negativas daquilo que estão construindo e amenizar o impacto antes que seja tarde, defende ele.
Um caminho para solucionar a crise seria elas destinarem 5% dos seus orçamentos para combater os malefícios trazidos por seus produtos à sociedade.
Algo parecido é feito
- por farmacêuticas norte-americanas, que são obrigadas a combater os efeitos colaterais dos remédios,
- e por construtoras, que precisam mitigar impactos ambientais, por exemplo.
Gostaria de ver as empresas e as organizações de pesquisa (inclusive universidades) que desenvolvem e disponibilizam tecnologias de inteligência artificial dedicarem pelo menos 5% do seu orçamento para diminuir as consequências não intencionais das tecnologias que criam.
Precisamos também de novas inovações para construir uma infraestrutura de autenticidade no ecossistema da informação, um modo de ter certeza do que é real ou falso. Eu adoraria, por exemplo, ver todas as novas câmeras com uma opção de salvar o horário e local de modo que seja difícil forjar. Assim, num cenário de abundância de informações falsas, as pessoas possam ter algo para garantir o que é verdade [por exemplo, aquele vídeo enviado no grupo do WhatsApp] – Aviv Ovadya

iStock/Getty
1) Verifique se a notícia foi publicada por uma empresa, pessoa ou organização conhecidas. Isso não é um atestado de credibilidade, mas pessoa jurídica ou física corre o risco de processo e tende a tomar mais cuidado
2) Evite sites que não trazem a pessoa ou equipe que produziu o conteúdo. Não dá para zerar o risco, mas checar se a pessoa existe já ajuda
3) Não compartilhe nada sem ler. Ler só o título não é suficiente
4) Veja se a foto não é antiga ou se tem sinais de manipulação no Photoshop. Cheque a data da publicação do texto
5) Desconfie de textos que não trazem fontes confiáveis, como entrevistados e pesquisas de instituições conhecidas, para defender as informações e números divulgados
6) Há diferença entre texto opinativo e narrativo. Desconfie de textos que querem se fazer passar por notícias, mas são opinião pura. Exija provas
7) Links para documentos, áudios, vídeos e imagens não são, necessariamente, provas. Eles precisam fazer sentido
8) Ao ver uma denúncia, verifique se algum veículo de comunicação mais conhecido, progressista ou conservador, deu também. Desconfie de notícias que circulam apenas entre sites anônimos e grupos de WhatsApp
9) Uma notícia não é verdadeira simplesmente porque você concorda com ela ou porque ela reforça sua visão de mundo
10) Ficou na dúvida? Não compartilhe.
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