As ferramentas que a rede criou são perfeitas para manipular sentimentos e distribuir informação falsa, pondo em causa os fundamentos da sociedade aberta.
A cartilha seguida foi exactamente a mesma que antes tinha sido usada na eleição de Donald Trump e no referendo sobre o “Brexit” britânico:
- uma análise de sentimentos dos utilizadores do Facebook,
- a par de uma segmentação muito fina de informação capaz de manipular as emoções dos eleitores.
Segue a prova número 2:Brad Parscale, o director de campanha de Donald Trump, foi claro quando, em Lisboa, aproveitou a Web Summit para dizer: “Ganhámos as eleições no Facebook.”
Por causa disto, decorrem extensas audições no Senado americano que discutem
- até onde foi a manipulação dos eleitores americanos
- e de que forma ela decorreu.
Manipulação de sentimentos
- estimular o máximo de interacções entre utilizadores,
- de forma a que as campanhas publicitárias pudessem ser dirigidas com a máxima precisão – em função das informações que todos os utilizadores, todos os dias, deixam no Facebook e nos outros sites que usam nos aparelhos onde têm a aplicação.
A recolha de dados é tão extensa e tão apurada que permite que os algoritmos da empresa conheçam melhor os utilizadores do que a sua família, como revelou o estudo de 2015 cujos dados acabaram por ser comprados pela Cambridge Analytica.
Douglas Rushkoff, teórico dos media digitais, referiu-se à forma como os dados são explorados no seu livro Throwing Rocks at the Google Bus:
- “Combinando isto [os dados dos utilizadores]
- com a capacidade da Internet em monitorizar utilizadores individuais,
- temos uma solução de marketing verdadeiramente personalizada.
- Em vez de comprarem anúncios que todos os visitantes de uma página da Web vêem,
- os anunciantes podem limitar os seus gastos com publicidade para o seu público-alvo.”
E, nos estudos de caso que usava para promover a compra de publicidade na rede social,
- era o próprio Facebook que demonstrava como conseguiu influenciar a votação em vários escrutínios
- – mas desde sábado que estes exemplos desapareceram da página, apesar de esta ser a prova número 4.
Ora, foram estas ferramentas que foram usadas para estimular a vitória de Trump. Agora que as investigações estão a ser tornadas públicas, começa a perceber-se a forma como decorreu a manipulação.
Prova número 5:
por um lado,
- estimulou-se a divisão no eleitorado de Hillary,
- espalhando notícias falsas
- que criaram dúvidas sobre a sua capacidade de representar efectivamente os cidadãos visados na segmentação dos anúncios (por exemplo, fazendo chegar a cidadãos negros notícias em que eram inventadas declarações insultuosas da candidata).
Por outro lado,
- espalharam-se informações que mobilizaram de forma acirrada os potenciais apoiantes de Trump,
- dando a entender a cada pequeno grupo de utilizadores que ele seria o ideal para os representar
(em que, por exemplo,
- os funcionários de uma pequena empresa de exploração de petróleos receberiam notícias que atestavam como o candidato apoiava essa indústria
- e, ao mesmo tempo, os habitantes desse estado eram visados em posts que mostravam Trump como defensor da qualidade de vida da região).
O próprio líder da campanha reconheceu que
- fazia 60 mil variações diárias de publicações
- para explorar de forma mais certeira os sentimentos da população.
Numa eleição com o eleitorado americano tão dividido, esta acção foi decisiva – passou para segundo plano
- que as notícias fossem falsas
- e que o objectivo fosse manipular emoções,
- o que se pretendia era a vitória.
Quando em 2010 abriu o Facebook ao mercado, Mark Zuckerberg anunciou, triunfante:
- “Ao dar às pessoas o poder de partilhar,
- oferecemos a oportunidade de fazer com que as vozes de todos sejam ouvidas
- a uma escala surpreendente.
- Estas vozes vão crescer em número e em volume. Não vão poder ser ignoradas.
- Esperamos que, a seu tempo, os governos se tornem mais atentos aos problemas que as populações levantam directamente,
- substituindo os intermediários que são controlados por alguns.”
Só faltou dizer que o que iria acontecer seria
- a manipulação da escolha dos governos
- por quem mais paga
- e quem melhor manipula.
É a oitava e derradeira prova.
Franklin Foer (foto: New America), jornalista que tem documentado a interacção das grandes empresas com a cultura popular e que escreveu um livro sobre o tema, tem uma visão muito pessimista:
“Estamos à beira deste precipício que é a era das artes e ideias criadas por algoritmos.
- As máquinas sugerem os tópicos mais populares a serem debatidos pelos humanos,
- e estes cada vez mais obedecem.
- Em vez de experimentarmos e procurarmos a novidade,
- deixamos que os dados nos mostrem o caminho, moldando-nos de acordo com uma fórmula.”
“A eleição de Donald Trump trouxe também o choque do reconhecimento colectivo de que
- a nossa cultura mediática está degradada
- e uma sensação de que precisamos de defensores da verdade
- mais empenhados do que os guardiões do Facebook e da Google.
Compreender o problema não basta.
- Temos de deixar que a nossa análise ao problema nos guie até soluções radicais
- antes que transformemos de forma irreversível os nossos mais importantes valores e instituições”,
apela.
É cada vez mais óbvio que o Facebook é uma ferramenta pensada desde o início para manipular utilizadores.
- Se o objectivo inicial era a venda de publicidade,
- é importante ter em conta que todas as evoluções na rede foram propositadas para melhor interferir com os desejos e expectativas dos cidadãos.
A acusação agora é pública:
- a ferramenta que só queria vender publicidade
- transformou-se na melhor arma de intervenção política alguma vez inventada,
- com impacto directo na vida de um terço dos cidadãos do planeta.
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