- do Brasil,
- de Cuba,
- do sul dos Estados Unidos
- e de Colômbia,
para verificar como a tecnologia de transformar cana de açúcar em tabletes de rapadura (açúcar não refinado) está na origem do tráfico negreiro e das misérias da escravidão, que perduram até hoje. Que o diga Jessé Souza, autor do best-seller ‘A elite do atraso’ (Leya, São Paulo, setembro 2017).
O império do algodão.
- o surgimento e o crescimento do capitalismo industrial,
- a lógica da agricultura industrial
- e das multinacionais de alimentos, etc.
- algumas partes dessa humanidade repentinamente se tornam muito ricas,
- enquanto outras mergulham na pobreza?
Eis o que a história do algodão industrial mostra, pois ela marca o início da Revolução Industrial.
A tecnologia do algodão na fábrica de Samuel Greg.
- se tornou um rico porto de tráfico de escravos
- e é com base nessa riqueza negreira que a emergente indústria de algodão pôde florescer.
Membro de uma família negreira bem situada, Samuel Greg reuniu em 1784, numa pequena fábrica às margens do Rio Bollin, algumas máquinas de fiação ultramodernas (conhecidas como water frame), movidas a água (ainda não a vapor).
- não utilizava mais a força do músculo humano,
- mas a queda d’água.
Embora modesta, sua fábrica era algo novo. Ela estava destinada a mudar os destinos do mundo. Pela primeira vez na história humana, a produção de fios era feita por máquinas não impulsionadas por mãos humanas.
- grande parte de sua produção deixasse o Reino Unido
- e sustentasse o comércio de escravos na Costa Oeste da África,
- além de vestir seus próprios escravos em Santo Domingos, no Caribe.
Além disso, ele começou a atender usuários fora da Inglaterra, na Europa Continental. Assim se formou uma vasta rede internacional. Partindo de Liverpool, os comerciantes britânicos dominavam os mares e formavam redes comerciais que se estendiam por todo o globo.
O triângulo Europa, África, América
Desse modo se formou um triângulo de consequências, que eram positivas para uns, nefastas para outros.
Eis os pontos do triângulo:
a. a Inglaterra (Liverpool) que, naquela época, controlava os mares com sua frota comercial e militar;
b. a África Ocidental, onde os ingleses trocavam seus tecidos por escravos;
c. a América, que comprava escravos em troca de fardos de algodão cru cultivados por escravos da África. Era a repetição do triângulo feito em torno da produção de açúcar no Brasil, no Caribe e na América do Norte, mas desta vez com repercussões mundiais.
Os fardos de algodão eram usados como carga de retorno a Liverpool ou Manchester, onde os tecidos eram fabricados, assim como, anteriormente, os fardos de tabaco enchiam os navios negreiros, depois de descarregar os fardos humanos. Desse modo, a carga dos navios estava sempre assegurada.
As máquinas maravilhosas de Greg, impulsionadas pela força da água (e, mais tarde, por vapor), impulsionavam outra inovação de grande importância: passaram a ser operadas por assalariados e se tornaram fonte de riqueza por causa da grande acumulação de capital. Isso criou um novo tipo de Estado, impulsionador do ‘progresso’, ou seja, criado como principal pilar do novo império do algodão.
A partir de um embrião local, nas redondezas de Liverpool, a Inglaterra acabou por dominar uma economia global amplamente ramificada e por se apropriar de uma das principais indústrias da humanidade. Ao ‘vestir a humanidade’, a Inglaterra estendeu suas asas por todo o globo. Eis como nasceu o mundo como a conhecemos hoje.
A monocultura e o estado.
- os agricultores na Ásia e na África foram forçados a entrar na monocultura do algodão,
- o que resultou, às vezes, em grande escassez de alimentos.
Morreram milhões de pessoas em 1877 e, novamente, na década de 1890, tanto na Índia como no Nordeste do Brasil. A especialização em algodão – com seus preços voláteis – dominava o universo do dinheiro.
- Estamos diante de uma evolução violenta
- e ao mesmo tempo silenciosa,
- que causa a morte de milhões de pessoas,
- enquanto beneficia a poucos ricos.
- não conseguiram forçar os agricultores indianos a praticar a monocultura do algodão,
- não conseguiram controlar os teimosos intermediários indianos, que não estavam dispostos a enviar algodão não processado para a Europa.
Era preciso apelar para um Estado forte.
- não é coincidência que o século XIX fosse marcado pelo surgimento de poderosos Estados-nação (o termo ‘nação’, aqui, é um eufemismo, como bem explica Fábio Konder Comparato),
- bem como de um proletariado nas centenas de fábricas de algodão (com fiação e tecelagem mecânicas) na Europa
- e nas centenas de milhares de fazendas de cultivo do algodão que exploravam escravos, do outro lado do Atlântico.
- As cidades do Norte da América, onde o algodão era processado, eram a favor da abolição;
- o Sul rural, onde os escravos proporcionavam riquezas nas imensas plantações, defendia a escravidão a ferro e fogo.
- houve de repente uma escassez de algodão no mercado mundial, resultando em aumento de preços.
- Centenas de fábricas na Europa foram fechadas;
- centenas de milhares de trabalhadores ficaram desempregados.
- Os barões de algodão estavam ansiosamente à procura de novas regiões produtoras de algodão.
- Ao se unir ao Império Britânico, a Índia expulsou os indianos ‘teimosos’ de seus teares e os empurrou em direção à zona rural.
- África foi dividida em colônias
- e também foi direcionada, tanto quanto possível, para a monocultura do algodão.
- Com a crise da Guerra Civil Norte-Americana, as colônias foram forçadas a produzir algodão para ser processado na Europa.
- fiadores e tecelões tinham de optar por cultivar algodão como assalariados
- ou, então, desaparecer no proletariado urbano
- ou se refugiar no campo.
O algodão migra para o Sul
- Nacionalismo,
- emancipação
- e apoio ao processamento nacional de algodão andavam de mãos dadas.
Enquanto a posição dos fabricantes de algodão no Norte enfraquecia gradualmente, os fabricantes do Sul (no Brasil, por exemplo) conseguiram criar um Estado (apoiador) de acordo com suas necessidades. Quebraram aos poucos a hegemonia do algodão do Norte.
O império Monsanto
O império ABCD
- A ADM (Archer Daniel Midland Company) foi fundada em 1902,
- a Bunge surgiu em 1818,
- a Cargill veio em 1865
- e a Dreyfus foi criada em 1851.
O valor conjunto das vendas das quatro empresas ABCD é maior do que a de muitos países. Em conjunto, somam cerca de 250 bilhões de euros por ano (dos quais, em 2015, a Cargill levou 106 bilhões).
- menos da logística do transporte a granel não processado (trigo, soja, milho, café), que beneficia países como o Brasil, por exemplo,
- mas do primeiro processamento (e posterior transporte a granel) dessa matéria-prima (por exemplo, soja),
- a serviço da indústria de alimentos (que desemboca nos Supermercados)
- e de rações animais, sempre beneficiando os países centrais do sistema.
Essas empresas de comércio jamais teriam conseguido ser tão grandes sem subsídios por parte de governos nacionais.
- não haveria fazendas industriais na Europa
- e não haveria, do outro lado do oceano (com o Brasil na liderança), gigantescas lavouras de monocultura de soja e de milho.
- Não haveria os supermercados.
Assim como o algodão provocou uma concentração nunca dantes vista de riqueza, as ABCD de hoje são o motor de uma agricultura industrial imposta mundialmente, que gera imensas riquezas para poucos.
- que marginaliza centenas de milhões de famílias da agricultura camponesa
- e que, além disso, esgota os ecossistemas,
- pois o transporte global de granel (por navio) é uma das causas do aquecimento global.
Esse modelo agrícola faz parte do problema ecológico que enfrentamos, enquanto as práticas agrícolas sustentáveis nas mãos dos agricultores campesinos poderiam ser parte da solução.
Uma nota positiva
- ao lado desses absurdos, surgem, no mundo inteiro, movimentos de resistência,
- visando devolver às comunidades locais as chamadas ‘comodidades’ (commodities), coisas que são (ou deveriam ser) comuns a toda a humanidade, patrimônios da humanidade: ar, terra, sementes, água, transporte, alimentos.
Atualmente surgem, em todos os continentes, soluções criativas que contrariam a fragmentação do planeta pelas ABCD e por outras mãos invisíveis.
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