Papa convidou convidou à reconciliação e à rejeição da vingança
“Reconciliar-se é abrir uma porta a todas e cada uma das pessoas que viveram a realidade dramática do conflito. Quando as vítimas vencem a tentação compreensível da vingança, tornam-se nos protagonistas mais credíveis dos processos de construção da paz. É preciso que alguns tenham a coragem de dar o primeiro passo nesta direção, sem esperar que o façam os outros.”
Texto completo da homilia
«O vosso nascimento, Virgem Mãe de Deus, é a nova aurora que anunciou a alegria ao mundo inteiro, porque de Vós nasceu o Sol de Justiça, Cristo, nosso Deus (cf. Antífona do Benedictus).
A festa da Natividade de Maria projeta a sua luz sobre nós, como se irradia a luz suave do amanhecer sobre a vasta planície colombiana, esta paisagem lindíssima de que Villavicencio é a porta, bem como na rica diversidade dos seus povos indígenas.
Maria é o primeiro esplendor que anuncia o fim da noite e, sobretudo, a proximidade do dia. O seu nascimento faz-nos intuir a iniciativa amorosa, terna e compassiva do amor com que Deus Se inclina sobre nós e nos chama para uma aliança maravilhosa com Ele, que nada e ninguém poderá romper. Maria soube ser transparência da luz de Deus e refletiu os fulgores desta luz na sua casa, que partilhou com José e Jesus, e também no seu povo, na sua nação e na casa comum de toda a humanidade que é a criação.
No Evangelho, ouvimos a genealogia de Jesus (cf. Mt 1, 1-17),
- que não é uma mera lista de nomes,
- mas história viva,
- história dum povo com o qual Deus caminhou
e, ao fazer-Se um de nós, quis anunciar
- que, no seu sangue, corre a história de justos e pecadores,
- que a nossa salvação não é uma salvação assética, de laboratório, mas concreta, de vida que caminha.
Esta longa lista diz-nos que somos uma pequena parte duma longa história e ajuda-nos a não pretender protagonismos excessivos, ajuda-nos a fugir da tentação de espiritualismos evasivos, a não abstrair das coordenadas históricas concretas em que nos cabe viver. E também integra, na nossa história de salvação, aquelas páginas mais obscuras ou tristes, os momentos de desolação e abandono comparáveis ao exílio.
A menção das mulheres – nenhuma das referidas na genealogia pertence à hierarquia das grandes mulheres do Antigo Testamento – permite-nos uma abordagem especial:
- na genealogia, são elas que anunciam que, pelas veias de Jesus, corre sangue pagão,
- que recordam histórias de marginalização e sujeição.
Em comunidades onde ainda se arrastam estilos patriarcais e machistas, é bom anunciar que o Evangelho começa por salientar mulheres que criaram tendência e fizeram história.
E, no meio de tudo isto, Jesus, Maria e José. Maria, com o seu ‘sim’ generoso, permitiu que Deus cuidasse desta história. José, homem justo, não deixou que
- o orgulho,
- as paixões
- e os ciúmes o lançassem fora desta luz.
Pela forma como aparece narrado, nós sabemos antes de José aquilo que aconteceu com Maria,
- e ele toma decisões em que se manifestam as suas qualidades humanas
- antes de ser ajudado pelo anjo e chegar a entender tudo o que estava a acontecer ao seu redor.
A nobreza do seu coração fá-lo subordinar à caridade aquilo que aprendera com a lei; e hoje, neste mundo onde é patente a violência psicológica, verbal e física contra a mulher, José apresenta-se como figura de homem
- respeitoso,
- delicado
- que, mesmo não dispondo de todas as informações, se decide pela honra, dignidade e vida de Maria.
- E, na sua dúvida sobre o melhor a fazer, Deus ajudou-o a escolher iluminando o seu discernimento.
Este povo da Colômbia é povo de Deus; também aqui podemos fazer genealogias cheias de histórias:
- muitas, cheias de amor e de luz;
- outras, de conflitos, ofensas, inclusive de morte…
Quantos de vós poderíeis narrar experiências de exílio e desolação! Quantas mulheres, em silêncio, perseveraram sozinhas, e quantos homens de bem procuraram pôr de lado amarguras e rancores, querendo combinar justiça e bondade!
Que havemos de fazer para deixar entrar a luz? Quais são os caminhos de reconciliação?
- Como Maria, dizer ‘sim’ à história completa, e não apenas a uma parte;
- como José, pôr de lado paixões e orgulho;
- como Jesus Cristo, cuidar, assumir, abraçar esta história, porque nela vos encontrais vós, todos os colombianos, nela está aquilo que somos… e o que Deus pode fazer connosco se dissermos ‘sim’ à verdade, à bondade, à reconciliação.
E isto só é possível, se enchermos com a luz do Evangelho as nossas histórias de pecado, violência e conflito.
A reconciliação não é uma palavra abstrata; se assim fosse, traria apenas esterilidade; antes, distância.
Reconciliar-se é abrir uma porta a todas e cada uma das pessoas que viveram a realidade dramática do conflito. Quando as vítimas vencem a tentação compreensível da vingança, tornam-se nos protagonistas mais credíveis dos processos de construção da paz. É preciso que alguns tenham a coragem de dar o primeiro passo nesta direção, sem esperar que o façam os outros.
Basta uma pessoa boa, para que haja esperança. E cada um de nós pode ser esta pessoa! Isto não significa ignorar ou dissimular as diferenças e os conflitos. Não é legitimar as injustiças pessoais ou estruturais.
O recurso à reconciliação não pode servir para se acomodar em situações de injustiça. Pelo contrário, como ensinou São João Paulo II,
- «é um encontro entre irmãos
- dispostos a vencer a tentação do egoísmo
- e a renunciar aos intentos duma pseudo-justiça;
- é fruto de sentimentos fortes, nobres e generosos,
- que levam a estabelecer uma convivência fundada sobre o respeito de cada indivíduo
- e dos valores próprios de cada sociedade civil» (Carta aos Bispos de El Salvador, 6/VIII/1982).
Por isso, a reconciliação
- concretiza-se e consolida-se com a contribuição de todos,
- permite construir o futuro
- e faz crescer a esperança.
Qualquer esforço de paz sem um compromisso sincero de reconciliação será um fracasso. O texto do Evangelho, que ouvimos, culmina chamando a Jesus o Emanuel, o Deus connosco. E como começa, assim termina Mateus o seu Evangelho: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (28, 20).
Esta promessa realiza-se também na Colômbia:
- D. Jesús Emilio Jaramillo Monsalve, Bispo de Arauca,
- e o sacerdote Pedro Maria Ramírez Ramos, mártir de Armero,
- são sinal disso, expressão dum povo que quer sair do pântano da violência e do rancor.
Neste ambiente maravilhoso,
- cabe a nós dizer ‘sim’ à reconciliação;
- e, neste «sim», incluamos também a natureza.
Não é por acaso que, inclusive sobre ela, se tenham desencadeado as nossas paixões possessivas, a nossa ânsia de domínio. Um vosso compatriota canta-o com primor: «As árvores estão a chorar, são testemunhas de tantos anos de violência. O mar aparece acastanhado, mistura de sangue com a terra» (Juanes, Minhas Pedras).
A violência que existe no coração humano, ferido pelo pecado, manifesta-se também nos sintomas de doença que notamos
- no solo,
- na água,
- no ar
- e nos seres vivos (cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’, 2).
Cabe-nos dizer ‘sim’ como Maria e cantar com Ela as ‘maravilhas do Senhor’, porque, como prometeu aos nossos pais, ajuda a todos os povos e a cada povo, ajuda a Colômbia que hoje quer reconciliar-se e à sua descendência para sempre
Fonte: https://pt.zenit.org/articles/missa-na-cidade-de-villavicencio-texto-completo-da-homilia/
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