Paolo Viana – 29 Maio 2017
Foto: Famiglia Cristiana
A reportagem é de , publicada por Avvenire, 28-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No pavilhão, os mais de três mil trabalhadores da indústria pesada e da construção naval, dos call centers e do serviço público se tornam um único coração que bate por aquele “padre” vestido de branco, que chegou à fábrica-símbolo de Gênova para explicar que o mundo do trabalho é tão importante para a Igreja quanto a paróquia: “Alguém pode dizer: ‘Mas o que esse padre vem nos dizer? Vá para a paróquia?!’ Não, o mundo do trabalho é o mundo do povo de Deus”, é a resposta de Bergoglio.
Com esses tons, na manhã desse sábado, na Ilva, abriu-se o grande abraço da cidade da Lanterna ao papa. Um início que estava escrito na história de “atenção” e “proximidade” da Igreja genovesa ao mundo do trabalho, evocada pelo cardeal Angelo Bagnasco.
A escolha de começar a partir daí, explicou Bergoglio, não dependeu apenas da crise, mas também da centralidade do trabalho que “unge de dignidade” o ser humano e sem o qual “não se vive, se sobrevive”.
O pontífice falou como “padre”, mas o discurso da Ilva – que concluiu invocando o Veni Creator Spiritus – se inscreve entre as páginas mais “quentes” do magistério social da Igreja,
- não tanto porque reitera que o trabalho é uma prioridade para a Igreja,
- mas sim porque, reconhecendo as mudanças, projetou a Doutrina Social no novo cenário.
Foto: Osservatore Romano
Não foram só
- a renda básica e as aposentadorias antecipadas que pagaram a conta (“É contra a dignidade das pessoas mandá-las se aposentar aos 35 ou 40 anos, dar um cheque do Estado e ‘que se vire!”),
- mas também todas as degenerações da economia, incluindo os trabalhos “maus”(como os jogos de azar) e o cancelamento do tempo do lazer e da festa:
“Se se vende barato o trabalho ao consumo,
- com o trabalho, em breve, venderemos barato também
- a dignidade,
- o respeito,
- a honra,
- a liberdade”.
O Papa Francisco não negou a complexidade, mas convidou a “não se resignar à ideologia que imagina um mundo
- onde só metade ou talvez dois terços dos trabalhadores vão trabalhar,
- e os outros serão mantidos por um subsídio social”.
- Assim, “o trabalho será diferente, mas deverá ser trabalho, não pensão”.
Dialogando com os representantes
- dos empresários,
- dos trabalhadores,
- dos desempregados
- e dos precários,
o pontífice propôs um breve curso de Doutrina Social que começa a partir da defesa do empresário –
“Não há boa economia sem a capacidade de criar trabalho e produtos” –, bem distinta da do especulador.
Este último
- “não ama a sua empresa,
- não ama os trabalhadores,
- mas vê a empresa e os trabalhadores apenas como meios para fazer lucro.
- Demitir, fechar, deslocar a empresa não lhe cria nenhum problema, porque o especulador instrumentaliza, ‘come’ pessoas e meios para os seus objetivos.”
- E consegue se aproveitar, disse, citando Einaudi, também daquelas políticas que prejudicam os empresários honestos.
Franciso com os operários da Ilva – In: http://www.elcomercio.es/noticias/201705/28/media/24732624.JPG
Por outro lado, em torno do trabalho, sublinhou,
- “edifica-se todo o pacto social”,
- enquanto, sem trabalho, “a democracia entra em crise”:
com base na Constituição italiana, disse nesse sábado, “tirar o trabalho das pessoas ou explorar as pessoas com trabalho indigno ou mal pago é inconstitucional”. E acrescentou: “Trabalhar 11 horas por dia por 800 euros por mês é uma chantagem”.
A crítica de Bergoglio também envolveu a teoria econômica.
“A ênfase na concorrência dentro da empresa esquece que a empresa é, acima de tudo,
- cooperação,
- assistência mútua,
- reciprocidade.
Quando uma empresa cria cientificamente um sistema de incentivos individuais que colocam os trabalhadores em concorrência entre si,
- talvez, no curto prazo, pode obter alguma vantagem,
- mas logo acaba minando aquele tecido de confiança que é a alma de toda organização.”
A reflexão culminou em uma precisa acusação da meritocracia:
“Ela fascina porque usa uma palavra bonita: ‘mérito’;
- mas, como a instrumentaliza
- e a usa de modo ideológico,
- ela a desnaturaliza e perverte.
A meritocracia está se tornando uma legitimação ética da desigualdade. O novo capitalismo, mediante a meritocracia, dá uma veste moral à desigualdade”, e isso provoca “a mudança da cultura da pobreza.
- O pobre é considerado um desmerecido e, portanto – observou o papa –, um culpado.
- E, se a pobreza é culpa do pobre, os ricos são exonerados de fazer qualquer coisa”.
Trabalho digno, boa economia, solidariedade e acolhida: tudo se sustenta.
Nota de IHU On-Line: Para ver a íntegra do encontro do Papa Francisco com os trabalhadores e as trabalhadoras em Gênova, em italiano, assista ao vídeo:
Paolo Viana
Fonte: www.ihu.unisinos.br/568119-nao-a-renda-para-todos-mas-sim-ao-trabalho-para-todos-afirma-francisco.
Leia mais
- Papa: “Só o trabalho dá dignidade”
- Trabalho, por dignidade e honra. Artigo de Alessandra Smerilli
- Operário ateu se comove: “Francisco é realmente um líder do povo”
- Papa: trabalho, prioridade humana
- Papa se senta à mesa com os últimos sem autoridade: “Jesus era como vocês”
- Papa em Gênova contra as calúnias na Igreja: “Expulsem os seminaristas que falam mal dos outros”
- Um papa supostamente anticapitalista canaliza o seu empreendedor interior
- Papa Francisco. “Não aos padres Google e Wikipedia”
- Papa se senta à mesa com os últimos sem autoridade: “Jesus era como vocês”
- A ‘uberização’ e as encruzilhadas do mundo do trabalho. Revista IHU On-Line N°. 503
- A volta da barbárie? Desemprego, terceirização, precariedade e flexibilidade dos contratos e da jornada de trabalho. Revista IHU On-Line N°. 484
- Mater et Magistra, 50 anos: Os desafios do Ensino Social da Igreja hoje. Revista IHU On-Line N°. 360
- CPI mostra como JBS dominou 56% do mercado da carne no MT
- Intervenção de procurador do ‘mensalinho’ daria à JBS economia de R$ 578 mi, diz executivo
- http://www.ihu.unisinos.br/568092-exceto-o-poder-tudo-e-ilusao-artigo-de-raul-zibechi
Leave a Reply