NATUREZA E MEIO AMBIENTE- BRASIL

Projeto de lei facilita registro de novos agrotóxicos e aumenta o poder do Ministério da Agricultura na análise, enquanto reduz atribuições do Ibama e da Anvisa. Votação em Comissão do Senado poderá ser nesta quarta.
A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado iniciou nesta terça-feira (29/11) a discussão do Projeto de Lei 6299, de 2002, que altera as regras de registro de agrotóxicos e foi apelidado por organizações da sociedade civil como “PL do Veneno”.
Havia chance de o texto ser votado nesta terça-feira, mas senadores da oposição pressionaram para que a votação fosse adiada para quarta-feira, sugestão acatada pelo presidente da CRA, Acir Gurgacz (PDT-RO).
O adiamento servirá
- para que integrantes da CRA se reúnam com membros do governo de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva
- para discutir o tema.
O projeto de lei foi proposto pelo então senador Blairo Maggi,
- ex-ministro da Agricultura do governo Temer
- e um dos maiores exportadores de soja do país.
O texto já
- foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022.
- Se receber o aval da CRA, segue para avaliação do plenário do Senado.
O que propõe o texto
O chamado “PL do Veneno” traz mudanças significativas nas regras de registros de agrotóxicos – palavra que, segundo o texto, deve ser substituída a partir de agora por pesticidas.
Dentre as alterações apontadas como uma das mais preocupantes
- está a retirada de trechos da legislação em vigor
- que proíbem o registro de agrotóxicos com componentes que provoquem câncer, mutações ou distúrbios hormonais.
A atual lei, de 1989, estabelece que não são admitidos produtos com características “teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas”.
No novo texto, esses termos foram cortados, e a proibição se resume a produtos que apresentem “risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente”.
Outra mudança importante é a redução do poder
- da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
- e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na análise dos pedidos de aprovação de agrotóxicos,
- e o aumento do poder do Ministério da Agricultura no trâmite.
Fonte: Anvisa
Hoje, os três órgãos têm igual poder na aprovação de novos agrotóxicos. Segundo o texto em análise,
- a Anvisa e o Ibama passariam a subsidiar o Ministério da Agricultura com suas análises,
- que teria a palavra final.
Além disso, o projeto
- estabelece um prazo máximo de dois anos para que um novo produto seja analisado,
- e a concessão de licenças temporárias pelo Ministério da Agricultura caso esse prazo não seja cumprido.
Terminologia e hierarquia das decisões
- Para Larissa Bombardi, pesquisadora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP),
- a flexibilização faz com que o “pouco que existia de princípio de precaução” desapareça.
“Quando se fala em risco inaceitável,
- abre-se uma janela de discussão que não fecha nunca.
- O que é risco aceitável ou inaceitável?
- Um risco de causar câncer é sempre inaceitável”, explica Bombardi à DW.
Autora do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia,
- Bombardi pesquisa, na Universidade Livre de Bruxelas,
- como o lobby da indústria de agrotóxicos influencia as decisões políticas brasileiras.
Para Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil, organização que reúne gigantes do setor como Bayer e Syngenta,
- o novo texto moderniza a legislação
- e não retira o poder de outros órgãos reguladores, como Ibama e a Anvisa.
“Não tem como aprovar um novo produto sem que Ibama e Anvisa avaliem. O que mudou foi que a palavra final é do Ministério da Agricultura”, pontua Lohbauer à DW.
É justamente essa centralização que preocupa pesquisadores e entidades da sociedade civil.
“Na legislação atual, os três ministérios têm poderes iguais, cada um analisa um aspecto:
- o da Agricultura atende as demandas do setor.
- Anvisa olha para saúde pública,
- e o Ibama, para o meio ambiente.
[Agora] eles continuam no processo, mas todo o controle está na Agricultura”,
argumenta Suely Vaz, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
A maneira como as novas regras foram escritas também acendeu um alerta em Bombardi.
“Antes, o texto da legislação era claro quanto à paridade de ministérios.
- Agora, o texto está difuso.
- Ele abre margem para que o [Ministério] da Agricultura apareça de forma hierárquica.
Não há mais um equilíbrio”, analisa.
Registro temporário
Essa nova estrutura
- permite que o Ministério da Agricultura libere o registro temporário de novos agrotóxicos
- mesmo se Ibama e Anvisa não tiverem concluído suas análises de risco.
Se aprovação do produto não sair em no máximo dois anos, agrotóxico deve receber registro temporário – Foto: DW/Nádia Pontes
Para especialistas ouvidos pela DW, o próprio conceito de análise de risco fica amplo e indefinido.
O texto considera, por exemplo, que a gestão deve
- “ponderar fatores políticos, econômicos, sociais e regulatórios”
- quando o assunto é avaliação de risco.
“Isso não faz sentido. É como se a nova lei trouxesse uma espécie de ‘cheque em branco’ sob esse rótulo de análise de risco”, critica Vaz.
Com as mudanças,
- caso o pedido de liberação de um novo agrotóxico não tenha parecer conclusivo expedido no prazo de até dois anos,
- o Ministério da Agricultura é obrigado a dar um registro temporário.
É preciso, no entanto, que o produto seja empregado em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 37 nações com restrições diversas.
“Isso é uma grande mudança.
- No Brasil, demora-se até oito anos para aprovar um novo produto.
- É tanta demora, que o país perde o ciclo tecnológico e o produtor continua usando produtos velhos”,
comenta Lohbauer, da CropLife.
- “Esse registro temporário é uma estratégia para o desmonte [da legislação].
- A OCDE tem países como Japão, mas também tem Chile, Colômbia e México,
- que estão sujeitos às mesmas pressões que o Brasil e sofrem impactos de agrotóxicos como aqui”,
ressalta Bombardi.
Se aprovação do produto não sair em no máximo dois anos, agrotóxico deve receber registro temporárioFoto: DW/Nádia Pontes
Flexibilização de lei para aumentar vendas
Realização de testes que comprovem a segurança do uso de um componente e a análise dos riscos à saúde humana não são processos simples. Eles são demorados e complexos, e um dos limitadores para que um parecer definitivo possa ser emitido num prazo mais curto.
- Até mesmo substâncias usadas há décadas nas lavouras, como o glifosato,
- podem apresentar problemas tardios.
- É o que mostram casos reunidos nos Estados Unidos.
Em 2020,
- a alemã do setor químico Bayer anunciou que pagaria mais de 10 bilhões de dólares para encerrar cerca de 95 mil processos
- movidos por americanos relacionados ao herbicida Roundup, que contém glifosato.
- O produto produzido pela Monsanto – adquirida pela Bayer em 2018 – é associado ao desenvolvimento de câncer.
Um dossiê técnico e científico assinado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
- aponta o interesse da indústria em flexibilizar a lei para aumentar as vendas de agrotóxicos,
- o que segundo os autores poderia levar ao aumento da contaminação dos trabalhadores rurais, da população e da natureza,
- sem contrapartidas de proteção à saúde e ao ambiente.
“É um perigo para o consumidor.
- Temos uma exposição crônica da população quando se trata de nível de resíduo nas águas e nos alimentos quando se compara com a União Europeia.
- Ao invés de haver uma modernização da lei que restrinja o uso de substâncias perigosas, a lei aumenta o risco”,
analisa Bombardi.
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