Pedro A. Ribeiro Oliveira – 13 Outubro 2022 – Foto: DAQUI
escreve Pedro A. Ribeiro de Oliveira, sociólogo, membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.
Eis o artigo.
A ida de Bolsonaro a Aparecida foi o momento central de sua estratégia para aumentar a votação entre eleitores católicos ainda eleitoralmente indefinidos.
Refiro-me àquelas pessoas que não se deixaram convencer pela narrativa bolsonarista, mas tampouco se alinham entre os eleitores de Lula: pessoas cujo voto depende menos de convicções políticas do que de simpatia pessoal.
Para esse segmento do eleitorado brasileiro, a imagem pública do candidato conta mais do que suas propostas e suas realizações.
- Levando em conta que para o eleitorado católico a imagem de Bolsonaro como evangélico é um fator negativo,
- pode-se medir a importância estratégica de sua ida a Aparecida como se fosse romeiro ou devoto de Nossa Senhora.
Um ensaio exitoso foi realizado ano passado.
- Embora na missa da manhã o Arcebispo de Aparecida tivesse dito que Pátria amada não pode ser Pátria armada,
- Bolsonaro fez uma das leituras da missa da tarde e depois proferiu a tradicional consagração a Nossa Senhora em transmissão nacional pela TV Aparecida.
- Esse êxito deve ter inspirado o avanço projetado para 2022.
Ao longo deste ano a campanha bolsonarista veio preparando o terreno para conquistar os votos de católicos indefinidos. Tendo consolidado sua base eleitoral no campo evangélico, o grupo bolsonarista voltou-se para o campo católico.
Tendo o apoio de grupos que até hoje rejeitam as diretrizes do Concílio Ecumênico do Vaticano II – como o Centro Dom Bosco, do Rio de Janeiro – foi-se criando um clima de medo:
- igrejas atacadas e imagens destruídas em países vizinhos,
- ameaça de Lula liberar o aborto e as drogas
- e acenos ao antigo fantasma do comunismo.
A ofensiva final foi a divulgação de vídeos onde padres e bispos explicitam o apoio a quem pode nos livrar daquelas ameaças.
- Assim foi criado o clima de medo para que muitos fiéis católicos “dobrassem os joelhos” e pedissem a Deus a vitória de Bolsonaro. Mas estes já eram bolsonaristas por rejeição a Lula.
- Era preciso buscar os votos dos outros católicos.
O alvo era Aparecida. Ali seria compensado o fracasso da participação de Bolsonaro no Círio de Nazaré, onde a firme atitude do Arcebispo de Belém, Dom Alberto Taveira, impediu que ele tocasse a imagem de Nossa Senhora.
Usando a metáfora militar, Aparecida seria o campo de batalha onde Bolsonaro conquistaria muitos eleitores católicos ao rezar o terço pela salvação do Brasil. Para essa estratégia eleitoral, o Santuário de N. Sra. Aparecida oferecia o cenário ideal:
- a multidão de romeiros vindos em grupos familiares,
- a grande cobertura midiática, especialmente da TV Aparecida,
- e o fato inusitado de um Presidente da República rezar o Terço em praça pública.
Completava essa estratégia
- a iniciativa de padres de diferentes regiões chamarem os fiéis para rezar o terço no mesmo horário do evento em Aparecida,
- conferindo assim dimensão nacional àquele evento político-religioso.
- Agora o candidato tinha tudo para sair da bolha e atingir a multidão de católicos que suas redes virtuais não alcançam.
Inesperadamente,
- veio a público a Nota de Esclarecimento assinada por Dom Orlando Brandes, Arcebispo de Aparecida,
- afirmando que Bolsonaro seria acolhido com Presidente da República mas não lhe seria atribuído qualquer papel nas celebrações.
- Mais importante: dizia que o Terço programado pelo grupo não consta da programação do Santuário Nacional e “tampouco tem anuência do Arcebispo de Aparecida”.
Ao esclarecer que a proposta do Terço das 15 horas era uma iniciativa sem aprovação da autoridade eclesiástica, alheio à tradição da Festa, D. Orlando deixou-o no limite da ilegalidade.
O resultado foi o fiasco da estratégia eleitoral bolsonarista.
- Quase cortado das lentes da TV e alvo de vaias quando os apoiadores o saudaram no interior do Santuário,
- Bolsonaro foi uma figura apagada durante a celebração da missa.
Saiu então para a reza do Terço na praça em frente ao antigo Santuário,
- desconsiderando que ali também havia uma celebração religiosa
- que, para seu azar, levava o apoio da Igreja ao movimento contra o trabalho infantil tolerado pelo atual governo. Ao terminar essa celebração, também transmitida pela TV Aparecida para todo o Brasil,
- o celebrante elogiou os participantes dizendo que são eles os verdadeiros devotos de N. Sra. Aparecida, e não os que estavam do lado de fora em busca de votos.
Resultado: a menos que aconteça algo muito inusitado, os votos de eleitores católicos em Bolsonaro tendem a diminuir depois desse dia de fiasco. Será o presente que a Mãe Aparecida, Padroeira do Brasil, dá a seus filhos e filhas.
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Pedro A. Ribeiro de Oliveira
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/622982-fiasco-bolsonarista-em-aparecida
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