Bruno Beaklini – 13 Julho 2022 | Foto: DAQUI
Eis o artigo.
A 17a reunião do G-20 vai ocorrer na Indonésia em novembro deste corrente ano. Como de costume, o evento é antecedido de prévia, ocorrida no dia 08 de julho. As expectativas pessimistas se cumpriram.
O chanceler russo, Sergei Lavrov, passou o evento inteiro sendo insultado por demais colegas e sob pressão para parar a guerra.
Evidentemente que se trata do oposto a qualquer esforço diplomático e tampouco as funções do G-20.
- O problema do espaço de coordenação das vinte maiores economias do mundo é a tutela.
- Pensado como uma linha de transmissão para mercados emergentes no início deste século, o evento começa em 1999 apenas com a elite mundial da época: titulares de ministérios da fazenda e presidências de Bancos Centrais.
A reunião evoluiu nos últimos vinte e três anos,
- buscando um espaço para debater também o desenvolvimento dos mercados em ascensão,
- as potências médias e seu jogo de força indo de encontro com as instituições de Bretton Woods e os vitoriosos da Guerra Fria.
Segundo o Banco Central do Brasil, o G20 implica em:
“Criado em resposta às crises financeiras do final dos anos 90, o G-20 reflete mais adequadamente a diversidade de interesses das economias industrializadas e emergentes, possuindo assim maior representatividade e legitimidade.
O Grupo conta com a participação de Chefes de Estado, Ministros de Finanças e Presidentes de Bancos Centrais de 19 países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia.
A União Europeia também faz parte do Grupo, representada pela presidência rotativa do Conselho da União Europeia e pelo Banco Central Europeu.
Ainda, para garantir o trabalho simultâneo com instituições internacionais, o Diretor-Gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Presidente do Banco Mundial também participam das reuniões.
Desde o advento da última crise, o G-20 passou também a trabalhar em iniciativas diversas com outros organismos, países convidados e fóruns internacionais, como o BIS, FSB, OCDE, dentre outros.
Ainda, a ocasião trouxe a separação da pauta do G-20 em duas trilhas:
- financeira, a cargo dos ministérios das finanças e bancos centrais dos países-membros;
- e de desenvolvimento, sob a responsabilidade dos ministérios de relações exteriores.”
Dentro deste desenho estão os BRICS –Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – e ainda duas potências de maioria islâmica, como Indonésia e Turquia.
- Considerando que Beijing lidera a nova rota de desenvolvimento mundial
- e a Rússia acaba sendo o país que junto com o Irã confronta a arquietura financeira,
- a tendência é mudar a dimensão do fórum.
De um lado ficam
- as instituições de Bretton Woods ficam subordinadas aos EUA e a União Europeia (em condição de
- de Washington).
De outro,
- o eixo econômico eurasiático e suas múltiplas iniciativas,
- tendo como objetivo estratégico a derrubada do dólar como moeda aduaneira mundial e o Sistema Swift
- como o lastro que acompanha e liquida as transações do comércio internacional.
Estamos diante de dois modelos de globalização e com lideranças potenciais antagônicas.
As relações Rússia e Índia e uma nova rota estratégica
A nova rota ferroviária e marítima russso-indiana
- começa em São Petesbrugo, Moscou e termina seu trajeto dentro da Rússia em Astrakhan, quase na foz do Rio Volga no Mar Cáspio.
- Cruza o mar interior em barcaças, volta a percorrer por terra o Irã e sobre trilhos chega ao mais importante porto iraniano, Bandar Abbas.
- Na saída do Golfo Pérsico, quase no Índico, as cargas vão com destino a Mumbai, ainda no Mar da Arábia.
Segundo comentários do Dr Assad Frangieh – especialista em Oriente Médio e nas relações eurasiáticas:
“A nova rota ferroviária e marítima entre a Rússia e a Índia é 30% mais barata e 40% mais curta, inclusive reduzindo a dependência do Canal do Suez.
Esta foto já explica bastante a aproximação estratégica entre esses dois países e como o fortalecimento do ‘leste’ para os Russos é uma alternativa complementar para o comércio com o ‘Sul’.
Os EUA quando se viram para a Ásia, além da China agora tem que se encarar com a Rússia.”
Corredor internacionnal Norte-Sul de transporte Foto: Railfreight | Divulgação)
- Se este percurso avançar para ampla operação, pode representar para o século XXI o que o Canal de Suez implicou na corrida imperialista do século XIX (completado em 1869)
- e depois com a completa circunnavegação obtida com o Canal do Panamá (1904).
A diferença fundamental está no controle dos investimentos e a agenda securitária.
- Suez era uma intervenção britânica e francesa;
- já o do Panamá começou com investimentos imperiais franceses e terminou com uma invasão de território pelos EUA.
Desta vez, envolvem-se quatro países soberanos, Rússia, Azerbaijão, Irã e Índia.
A nação de maioria azeri entra como aliada estratégica da Turquia e opera o frágil equilíbrio do Cáucaso.
- A garantia desta rota vai de encontro com as ameaças constantes de infestação salafista no Norte do Cáucaso
- e a permanência de alguma capacidade beligerante de fato pela Ucrânia do comediante e aliada de sionistas.
- Outra ameaça concreta é a das sanções econômico-financeiras, sendo cada vez menos respeitadas pelos próprios países europeus.
Para não perder o abastecimento de gás pelo Nord Stream 1, o governo alemão pediu ao Canadá que driblasse suas próprias sanções enviando uma turbina cujo destino final é a Gazprom.
- Outra forma de identificar essa “perda de respeito” é o aumento de importações de petróleo russo por parte da Índia (mais de 20% desde o início da guerra russo-ucraniana),
- sendo que o pagamento é em yuans e circula pelos bancos chineses.
Essa medida, mais a passagem de carga entre petroleiros, ou troca de documentos (o Hindustão importa com desconto e revende para destinos evitando as sanções),
- eleva o volume de trocas entre os gigantes dos BRICS
- e amplia o eixo eurasiático.
A nova bipolaridade vai ser econômico-financeira
- No dia 28 de junho deste ano, a 48a reunião dos sete países mais ricos do mundo (EUA, Canadá, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Itália e Japão)
- terminou acusando Rússia e China de estarem se comportando igual aos Estados membros da elite mundial.
Uma das formas de resposta aos avanços chineses é um fundo de investimento de USD 600 bilhões de dólares (EUR 568 bilhões de euros) a serem aplicadas em infra-estrutura e desenvolvimento de países periféricos.
A resposta de Beijing veio através do porta-voz de sua chancelaria, Zhao Lijan, afirmando categoricamente que
“Os membros do G7 foram os que mais se beneficiaram da globalização.
- Em um momento crítico da resposta global à pandemia e da recuperação econômica, o G7, em vez de se comprometer com a solidariedade e a cooperação, está preocupado em alimentar a divisão e o confronto e não mostrou absolutamente nenhum senso de responsabilidade ou autoridade moral.
- Devo também salientar que para um grupo que representa apenas um décimo da população mundial,
- o G7 não tem autoridade para falar por todo o mundo, muito menos para apresentar seus próprios valores e padrões como valores e padrões universais.”
A posição da China e da Rússia está explícita, convergindo para interesses econômicos comuns e visando construir uma nova arquitetura financeira mundial.
Não se pergunta mais se isso vai ocorrer, mas quando será.
- Uma vez que ao menos um terço do comércio mundial não dependa mais das instituições controladas por 10% da população do planeta,
- o Grande Jogo será invertido, teremos consolidada tanto uma nova bipolaridade.
Também haverá espaço de sobra para relações Sul-Sul e de potências médias e vocacionadas para liderança regional, a exemplo do Brasil (apesar do atual governo).
.
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/620344-a-previa-do-g20-de-2022-e-a-nova-bipolaridade#
ihu.unisinos.br/620344-a-previa-do-g20-de-2022-e-a-nova-bipolaridade
Leia mais:
- O G-20 e a guerra fria tecnológica
- Os paraísos fiscais e a hipocrisia do G20
- O G20 lança o imposto global
- A população do grupo BRICS
- A Organização de Cooperação de Shangai (OCS) versus o grupo BRICS, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
- Brasil, BRICS e a defesa do Sul Global
- “G7? Não, G-Zero. E o mundo será cada vez mais instável.” Entrevista com Ian Bremmer
- China e Rússia em aliança estratégica
- Rússia se separa do Ocidente e arrasta a China junto. Artigo de Mario Giro
- Ucrânia: as variações na arte da guerra
- Guerra da Ucrânia: a conjuntura e o sistema. Artigo de José Luís Fiori
- O conflito entre a Rússia e a Ucrânia está se transformando em uma guerra mundial de novo tipo
Leave a Reply