anais de quarteladas
Thais Bilenky | 13 maio 2022 – Foto: Bolsonaro e o general Heleno / Foto: DAQUI
Generais de Bolsonaro repetem guerra psicológica travada pelos militares desde a proclamação do regime republicano, diz historiador
Pessoalmente, os ministros-generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) não têm muita afinidade entre si.
Chegaram ao governo de Jair Bolsonaro (PL) com uma alardeada influência sobre o capitão, sustentada também pelo fato de terem ido mais longe na hierarquia do Exército, o que lhes conferiria, em tese, respeito e autoridade.
Mas, com o passar do tempo e das crises, ambos foram rebaixados a personagens secundários nas tomadas de decisão do governo. Longe dos holofotes, continuaram prestando serviços a Bolsonaro e concorrendo ao papel de principal entusiasta do presidente.
Eles
- questionam pesquisas que mostram Bolsonaro atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa pelo Palácio do Planalto,
- repetem bordões do chefe,
- aplaudem suas aparições públicas,
- elogiam seu governo
- e falam mal quase diariamente de reportagens e repórteres.
Afrontam a Justiça brasileira para reforçar as ameaças de Bolsonaro e sugerir, assim, que há respaldo das Forças Armadas a ele.
Inquérito da Polícia Federal aponta que Heleno e Ramos
- usaram as instalações e aparatos públicos que controlam para tentar, sem sucesso, achar provas que depusessem contra a legitimidade das urnas eletrônicas.
- Segundo a investigação policial, Ramos articulou um encontro, no Palácio do Planalto, entre Bolsonaro e um técnico em eletrônica que dizia ter provas de fraude na votação de 2014.
Além de colocar a Abin (Agência Brasileira de Inteligência, subordinada ao GSI) para trabalhar para encontrar problemas nas urnas, Heleno também esteve com o técnico, de acordo com o site G1.
Os generais da reserva vão até o limite da lei na sua empreitada golpista, com o objetivo de causar
- comoção popular, medo e autocensura na população
- para, assim, tentar influir no resultado a ser apurado (e possivelmente contestado) em outubro nas urnas em todo o país.
Prof. Carlos Fico, historiador -Foto: DAQUI
“Não são só bravatas, é estratégia de espalhar temor para garantir que o projeto político que lhes fornece benesses seja vitorioso”,
diz o historiador Carlos Fico, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
É o que ele define como a guerra psicológica travada pelos militares desde a proclamação da República.
A linhagem de Heleno e Ramos é antiga.
- Em 1889, a República foi proclamada a partir do golpe militar liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca, que ecoava a insatisfação dos militares com a falta de reconhecimento por parte da monarquia.
- Achavam que o prestígio popular de que gozavam depois da vitória na Guerra do Paraguai não era transformado em benefícios materiais concedidos pelo poder político.
Bolsonaro captou o espírito da coisa, nota Carlos Fico.
Alvo de processo no Exército após um plano seu para tentar explodir bomba em quartel e pressionar por aumento salarial, decidiu entrar para a política e foi então para a reserva do Exército.
Em vez de procurar o embate direto, fez um pequeno desvio:
- insuflou mulheres e filhas de militares a protestar por melhorias na carreira dos homens da casa, já que eles próprios são proibidos de aderir a greves e protestos.
- Bingo. Sua imagem começou a ser reciclada, cativou parcelas expressivas da tropa e garantiu oito eleições consecutivas, primeiro a vereador, depois a deputado federal.
“A maioria das tropas adere muito ao bolsonarismo, aí compreendida a dimensão ideológica como também o fato de estarem no poder com cargos, salários, previdência especial e beneficios”,
observa o historiador, especialista em ditadura militar.
No topo das Forças, as conquistas materiais são estrondosas. Como revelou a Folha de S.Paulo nesta semana,
- Heleno e Ramos somam ganhos de quase 900 mil reais cada um nos últimos doze meses
- ao acumular aposentadoria como generais e salário como ministros, furando o teto salarial dos funcionários públicos.
Como conseguiram o privilégio de não serem submetidos à mesma lei que os demais? Com uma canetada de Bolsonaro.
O golpismo iminente está no DNA da República. Depois do golpe da proclamação, a primeira Constituição republicana cometeu um erro inaugural ao deixar mal explicado o papel das Forças Armadas, avalia Carlos Fico.
Dizia que
“a Força Armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições constitucionais”,
nas palavras de 1891.
“Mas quem decide se a ordem do presidente está ‘dentro dos limites da lei’?”,
questiona o historiador.
“Foi uma contradição que decorreu das turbulências do fim do Império, porque na Constituinte de 1891 tinham muitos parlamentares militares, e os civis ficaram acuados.
A partir daí, todas as Constituições republicanas repetem coisas do tipo, e toda crise institucional é causada por militar.”
Na Constituinte de um século depois, o país saía da ditadura militar, de novo, sob a sombra do golpismo.
O general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército do então presidente José Sarney, ameaçou os constituintes se encurtassem os cinco anos de mandato do presidente, lembra Fico.
O Centrão, que se formava ali naqueles dias, topou o negócio, e a vontade do general se impôs.
“Sarney foi totalmente tutelado pelos militares”, afirma o historiador.
Na Constituição vigente, o artigo 142 é o principal pretexto do golpismo.
No texto de 1988, está previsto que
“as Forças Armadas (…), sob a autoridade suprema do presidente da República, destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
O presidente Jair Bolsonaro já mostrou como interpreta as palavras de 1988.
Para ele, as Forças têm poder moderador de conflitos entre os Poderes e podem agir para dirimir crises.
A mando de quem? O chefe supremo das Forças Armadas é o presidente da República, repete Bolsonaro à exaustão. (Ministros do STF já disseram, insistentemente, que a ideia do “poder moderador” não tem respaldo constitucional.)
“Provavelmente quase todos os oficiais generais com quem tenho contato, sobretudo do Exército, interpretam o comando constitucional de exercer a garantia dos poderes constitucionais como prerrogativa para mediar conflito entre os Poderes, e não ameaça aos Poderes, que é uma grande diferença”,
diz Carlos Fico.
“Na cabeça de oficiais generais, as crises poderiam ser dirimidas por eles e por isso temos uma democracia tão frágil, em que volta e meia, ao contrário da esperança de muitos analistas que achavam que [o golpismo] estava superado, ainda temos militares com pretensão de tutelar a sociedade.”

Thais Bilenky
Repórter na piauí. Na Folha de S.Paulo, foi correspondente em Nova York e repórter de política em São Paulo e Brasília.
Fonte: https://piaui.folha.uol.com.br/o-dna-golpista-da-republica/
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